Como a crise mundial de energia pode agravar o problema no Brasil

Ameaça crescente de escassez energética pode impulsionar ainda mais a inflação e a desorganização das cadeias produtivas

China: La crisis energética es el próximo golpe económico después de Evergrande
28 de Setembro, 2021 | 04:15 PM

Bloomberg Línea — Racionamento de usinas térmicas na China, falta de gás no Reino Unido às portas do inverno no Hemisfério Norte, alta do petróleo e risco hídrico no Brasil - o que fenômenos tão distintos têm em comum em meio ao caos energético que assusta o mundo?

Depois da pandemia e do chamado “apagão de insumos”, a economia global se depara agora com uma ameaça crescente de escassez de energia que lembra a crise do petróleo dos anos 1970 e que pode impulsionar ainda mais a inflação e a desorganização das cadeias produtivas.

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  • Investimentos decrescentes nas matrizes mais sujas de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo encarecem os preços de energia da China ao Brasil
  • Também pesam problemas pontuais de suprimento derivados de mudanças climáticas, como o impacto do furacão Ida na produção de combustíveis no sul dos EUA e as enchentes na Alemanha e na Ásia
  • Na Europa, a crise de energia sem precedentes é com suprimento limitado de gás vindo da Rússia e da Noruega, que tende a se agravar com a chegada do inverno

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A explicação para o fenômeno é simples e já vinha sendo aventada há tempos por cientistas climáticos: a escassez de recursos naturais para sustentar uma demanda crescente e o foco em poucas matrizes energéticas pressionam a oferta de energia, em um momento em que o mundo se recupera do choque econômico da Covid-19.

No Brasil, que enfrentou racionamento energético no início da década de 2000, a crise é agravada pela seca, que reduziu a capacidade de geração das hidrelétricas, além de investimentos defasados também relacionados à reorganização do setor de óleo e gás após a operação Lava Jato.

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Em maio, o governo emitiu um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios brasileiros estavam, há um mês, em 44% da média histórica, na pior seca dos últimos 91 anos.

Confira abaixo os principais pontos para entender a crise energética no Brasil e no mundo:

Risco de racionamento no Brasil

Quem viveu o ano de 2001 lembra bem o que o racionamento de energia faz com o dia a dia. Shoppings e comércios funcionavam em horários restritos e até a indústria teve que se adaptar para evitar um apagão geral no país.

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Agora, apesar de ter uma matriz mais diversa do que na época, a preponderância das usinas hidrelétricas no Brasil faz com que o risco de racionamento se torne mais real à medida que o ano avança sem uma melhora nos níveis de chuvas, principalmente da região Sudeste.

Para Victor Burkett, analista que cobre o setor de energia na XP Investimentos, a seca da região provavelmente causará apagões de energia nos próximos meses.

“Quando as hidrelétricas [do Sudeste] param de produzir, precisam trazer energia do Nordeste, o que coloca pressão sobre o sistema e causa potenciais apagões”, explica.

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Ele alerta ainda que o risco de racionamento, segundo cálculos da XP, saltou de 5% em agosto para 17% em setembro, e que deve ter um pico em novembro, antes das estações de chuva.

Segundo a ONS, o Brasil tinha em setembro de 2021, 172.344 MW de capacidade de geração instalada no Sistema Interligado Nacional, sendo 63% provenientes de usinas hidroelétricas, 13% de usinas térmicas, 11% de plantas eólicas, 2,5% de painéis solares, 8% de usinas à biomassa e pouco mais 1% relativo às duas usinas nucleares.

Um estudo de julho do Instituto Escolhas, associação civil sem fins econômicos, o que resume a atual situação de escassez no sistema energético brasileiro é o que eles chamam de “síndrome do avestruz” - a insistência do país em se esconder em soluções “imediatistas e anacrônicas”.

O documento aponta que, apesar da maior diversidade da matriz energética, o Brasil seguiu apostando na expansão da geração termelétrica, assim como do gás natural e carvão mineral, fontes notadamente mais caras do que a hidrelétrica, por exemplo, e que não são renováveis. Agora, segundo eles, o país deve correr atrás da diversificação para evitar anos de racionamento.

Descarbonização na China

Diferentemente do que muitos imaginam, a China vem apertando o cerco à poluição e reduzindo os investimentos na geração de energia a partir do carvão e da queima de combustíveis fósseis - e isso ocorre enquanto cresce o consumo das cidades e da indústria para atender à demanda crescente do mundo no pós-pandemia.

O presidente Xi Jinping quer mostrar nas Olimpíadas de Inverno em Pequim em fevereiro próximo que leva a sério a descarbonização da economia e, assim, autoridades chinesas buscam cumprir metas para reduzir as emissões e reagem à escalada dos preços do carvão e do gás.

Só que, para evitar uma crise energética ainda maior, o país tem limitado a operação da indústria intensiva em energia, como a de alumínio, entre outros segmentos.

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Uma série de empresas menores também estão começando a informar a bolsa de valores que receberam ordens para conter ou interromper as atividades. O resultado final pode ser uma escassez de tudo, desde têxteis a componentes eletrônicos, que podem complicar as cadeias de abastecimento e consumir os lucros de uma série de empresas multinacionais.

A Pegatron, importante fornecedora da Apple e uma das principais fabricantes do iPhone, por exemplo, está tomando medidas para diminuir o uso de energia para cumprir ordens do governo local.

Escassez de gás e falta de ventos na Europa

Já a Europa enfrenta uma crise de energia sem precedentes, com suprimento limitado de gás vindo da Rússia e da Noruega, que tende a se agravar com a chegada do inverno.

Os ventos fracos neste ano dificultaram a geração eólica, levando as distribuidoras de eletricidade a recorrerem a combustíveis fósseis mais sujos para contornar o déficit de abastecimento.

Os preços da energia estão disparando no momento em que o continente tenta pressionar por um acordo climático mais ambicioso quando os líderes mundiais se reunirem na Escócia para a COPE-26.

O uso de carvão provavelmente tornará essas negociações difíceis para os políticos do Reino Unido à Espanha e Itália, que já estão lidando com o medo de uma reação eleitoral negativa devido ao aumento das contas de energia.

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Milhões de consumidores do Reino Unido devem ter contas de energia mais caras em até 10% em outubro e o governo está sendo pressionado a resgatar fornecedores em dificuldades. Na Espanha, onde os preços da energia estão em território desconhecido, o governo cortou os impostos sobre a energia e propôs limitar os lucros das concessionárias. E na Itália, o primeiro-ministro Mario Draghi - que já foi o principal nome do Banco Central Europeu - está pronto para gastar 3,5 bilhões de euros (US$ 4,1 bilhões) em recursos públicos para reduzir o impacto nas famílias.

A crise energética da Europa está se espalhando para a indústria de fertilizantes e ameaçando o setor de carnes, arriscando o abastecimento de alimentos mais apertado e preços ainda mais altos. A fabricante de fertilizantes norueguesa Yara International informou que os preços recordes do gás estão prejudicando sua produção e que terá de reduzir cerca de 40% sua capacidade de produção de amônia na Europa. Isso aconteceu depois que a CF Industries Holdings Inc. disse que está fechando duas fábricas no Reino Unido devido aos altos custos de energia.

As paralisações também correm o risco de atingir outras partes da cadeia de suprimento de alimentos ao restringir os suprimentos de dióxido de carbono, que tem uma ampla gama de utilizações, desde o abate de animais até embalagens que aumentam a vida útil de alimentos.

--Com informações da Bloomberg News

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Toni Sciarretta

News director da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista com mais de 20 anos de experiência na cobertura diária de finanças, mercados e empresas abertas. Trabalhou no Valor Econômico e na Folha de S.Paulo. Foi bolsista do programa de jornalismo da Universidade de Michigan.

Ana Siedschlag

Editora na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero e especializada em finanças e investimentos. Passou pelas redações da Forbes Brasil, Bloomberg Brasil e Investing.com.