Bloomberg Opinion — O resultado das eleições alemãs saiu e, em um aspecto, é bem claro: não saberemos por semanas ou meses quem será o próximo líder alemão, enquanto os partidos costuram uma coalizão. Durante esse tempo, a chanceler que está de saída, Angela Merkel, continuará cuidando dos negócios do dia-a-dia. Mas seu tempo no poder acabou. Isso também significa que a União Europeia perdeu o sua líder de facto. Quem poderá substituí-la?
Uma maneira de compreender a descrição desse cargo é olhar para a liderança como os antigos romanos faziam. Eles a entendiam como um jogo entre três qualidades diferentes: potestas, auctoritas e gravitas. Merkel, em seus 16 anos no cargo, acumulou todos os três de sobra.
Potestas se refere aos poderes legais que acompanham altos cargos - para Merkel, seria o poder que exerce por ser chanceler. Auctoritas - a raiz da palavra autoridade - transcende os poderes oficiais e significa algo como influência, a capacidade de persuadir os outros, mesmo por meios informais. Gravitas é a dimensão mais sutil, algo como dignidade ou peso. Por exemplo, é a aura que Merkel tinha quando entrava em uma cúpula em Bruxelas e todos a olhavam com respeito.
Esta definição exclui automaticamente qualquer um dos dirigentes da UE em Bruxelas. Mesmo Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, e Charles Michel, o presidente do Conselho Europeu, que reúne os 27 líderes nacionais. Ambos têm potestas limitadas e nenhuma auctoritas ou gravitas, por sinal.
Quem se apresenta como pretendente, com a mão levantada, é o presidente francês, Emmanuel Macron, como era de se esperar. Na opinião dele, a liderança da UE sempre foi sua, pois é ele quem carrega a bandeira da “soberania” e da “autonomia” europeias. Como presidente da potência militar mais forte do bloco, com o único arsenal nuclear da UE, ele também possui uma impressionante potestas.
Mas para que ele seja o cabeça, outros europeus teriam que concordar que estão sendo liderados por ele. E isso simplesmente não se traduz em realidade, como aponta uma pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Apenas 14% teriam escolhido Macron como suposto “presidente” da Europa, em comparação a 41% que estavam satisfeitos com Merkel ocupando essa função, antes de sua saída.
O que se supõe na maior parte da Europa é que o que Macron está se propondo a fazer, em última análise, é projetar o poder francês, ou até mesmo o seu próprio. Seu desconforto depois de se sentir desprezado pelos EUA, Austrália e Reino Unido apenas reforçou essa impressão. De qualquer forma, ele vai disputar o pleito de abril de 2022 e, se derrotado, sairá em breve. Ele tem menos auctoritas do que gostaria de admitir, e gravitas, então, nem se fala.
Só resta então Mario Draghi, nomeado primeiro-ministro da Itália no início deste ano. Normalmente, a potestas que acompanha este cargo é limitada. Seus ocupantes não são conhecidos por seu poder de permanência - Merkel teve oito colegas italianos durante seu período na chancelaria. Além disso, a Itália há muito é considerada um dos casos perdidos da UE - superendividada, economicamente estagnada, irremediável.
Mas isso foi antes de Draghi assumir. Respeitado em quase todo o espectro político turbulento da Itália, já resgatou a campanha de vacinação do país e encarou um dos problemas considerados mais urgentes, mas também mais difíceis do país, a ineficiência do poder judiciário.
O que concede a Draghi toda essa auctoritas é, em parte, seu jeito tecnocrático e diplomático, que lembra o de Merkel - ambos claramente têm seus egos firmemente sob controle. Mas também tem a ver com sua carreira anterior. Ele é economista e seu orientador de doutorado foi um vencedor de um prêmio Nobel. Como presidente do Banco Central Europeu, Draghi se empenhou mais do que qualquer outra pessoa para salvar a moeda única do colapso, quando indicou, em 2012, que faria “o que fosse preciso”. Quando uma frase é suficiente para acalmar os mercados, isso é gravitas.
Desde que assumiu o cargo, abocanhou a maior parcela do programa de estímulo da UE para a Itália e o complementou com fundos adicionais para empreender a injeção fiscal mais abrangente da Europa, de longe. Parece estar dando frutos: a recuperação da Itália é uma das mais dinâmicas da Europa, no momento. Nesse sentido, Draghi se tornou uma espécie de anti-Merkel, um evangelista da política fiscal vigorosa e da integração financeira europeia, enquanto a chanceler enfatizou apenas a austeridade.
Mesmo no cenário mundial, Draghi já deixou sua marca. Ele posicionou seu país contra a China e a Rússia e, consequentemente, a favor dos Estados Unidos. Fez isso de forma mais evidente do que Merkel ou Macron.
Como sempre, na Itália não há garantia de que sua coalizão de governo irá se sustentar. Também há o risco de Draghi ser promovido ao cargo de presidente, função que costuma exercer mais influência, mas menos poder de atuação, em comparação à de primeiro-ministro. Ainda assim, a partir de hoje, Draghi é o único líder europeu que sequer se aproxima da estatura de Merkel. Ele poderia potencialmente manter a UE unida como ela fez, e ainda fazê-la avançar, como ela não fez.