Quebrada, Avianca terá novo comando; conheça a saga da companhia

Nascida sob controle alemão, passou para as mãos do governo e depois para famílias poderosas antes de chegar em Germán Efromovich. Quem será o próximo?

Sua história será interrompida aos 102 anos de existência? Isso vai depender do sucesso de sua reestruturação
25 de Setembro, 2021 | 02:42 PM

Bogotá — A Avianca está em crise, como esteve durante boa parte de seus mais de 100 anos de história. E mais uma vez, a companhia aérea está prestes a mudar de dono. Dessa vez, não será uma batalha entre sócios, como a travada entre Fernando Mazuera e Julio Mario Santo Domingo, ou ainda deste último com Carlos Ardila Lülle.

A empresa terá novos proprietários porque há anos se arrasta em dificuldades financeiras agravadas pela pandemia, que a impossibilitaram de operar nas condições em que vinha fazendo.

A greve de pilotos que a companhia aérea enfrentou em 2017 pode ser vista como o primeiro grande golpe que abalou a empresa. Diante da impossibilidade de chegar a acordos trabalhistas entre os pilotos da Associação Colombiana de Aviadores Civis (ACDAC) e a administração, os funcionários iniciaram uma greve que durou 50 dias (de 20 de setembro a 9 de novembro), fazendo com que a empresa acumulasse perdas diárias de US$ 2,5 milhões. Esta foi considerada a segunda greve com maior impacto no setor aeronáutico global, depois da greve da Iberia, em 2012.

O ano de 2018 não facilitou a situação da empresa. Os baixos preços do petróleo e o fortalecimento do dólar aumentaram as dificuldades econômicas e tornaram mais evidentes as diferenças entre os sócios, Germán Efromovich e o salvadorenho Roberto Kriete.

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Mas a gota d’água, pelo menos para Efromovich, veio em 2019, quando as dificuldades nos negócios inviabilizaram o pagamento de um empréstimo de US$ 456 milhões para a United Airlines. Foi assim que o empresário boliviano e seu irmão José Efromovich perderam o controle da companhia aérea. A United nomeou Roberto Kriete, na época um inimigo dentro da Avianca, como presidente do conselho de administração, uma vez que a regulamentação nos Estados Unidos não permitia que ele tivesse o controle de outra companhia aérea fora de seu país de origem.

Com a mudança de controle, veio também uma troca gerencial. Anko Van der Werf foi nomeado CEO e a intenção era que, com ele, a empresa fosse reestruturada para sair do vermelho. Apenas seis meses depois o mundo começou a falar sobre o coronavírus e todos os planos desmoronaram. A aviação ficou praticamente paralisada e a receita que permitia à Avianca honrar seus compromissos foi apagada dos balancetes. Foi então que a companhia decidiu entrar com pedido de recuperação judicial sob o Capítulo 11 do código norte-americano. A Lei de Falências foi seu último recurso.

Depois de mais de um ano imersa no processo de reestruturação, a empresa está prestes a sair, mas muita coisa vai mudar.

Em diversas ocasiões, a companhia alertou seus acionistas que se o plano de saída do Capítulo 11 fosse aprovado integralmente, os títulos que hoje se negociam na bolsa de valores da Colômbia, e que nos Estados Unidos estavam suspensos desde maio de 2020, não valerão nada.

As ações da Avianca hoje valem 99% menos do que em 2011, quando foram listadas na BVC, a Bolsa de Valores da Colômbia. Elas foram negociadas a US$ 64, após, dez anos atrás, quando estreou no mercado de ações colombiano, terem valido US$ 5.000.

E as ações vão deixar de valer porque, conforme explicado pela empresa, a participação societária dos acionistas será diluída e, por isso, não receberão nada depois de deixar o Capítulo 11.

Hoje a Avianca é administrada no modelo DIP (debtor in possession), que consiste basicamente a um processo em que os acionistas da empresa em recuperação cedem o controle aos credores, enquanto tenta retomar a a solidez financeira.

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A Avianca apresentou um plano de saída do Capítulo 11 à Vara de Falências do Distrito Sul de Nova York. Esse plano contempla alguns créditos que, de acordo com a decisão dos credores, poderão ser utilizados para capitalizar a empresa, além de injeções de capital novo e empréstimos a serem pagos.

Por isso, as ações da Avianca hoje negociadas deixarão de ter valor assim que os credores e a Vara de Nova York aprovarem o plano de saída. São eles quem farão parte da nova lista de acionistas da Avianca no lugar daqueles que hoje compram e vendem os títulos da companhia aérea.

A saga da Avianca

A Avianca nasceu em 1919, mas na época seu nome era SCADTA (Sociedade Alemã-Colombiana de Transportes Aéreos). Esse foi o nome da empresa até 1939, quando ocorreu sua primeira mudança de controle.

Muitos de seus principais sócios eram pilotos e empresários alemães. No entanto, foi o industrial Peter Paul von Bauer quem vendeu suas ações para a Pan American World Airways, uma empresa norte-americana. A ideia por trás dessa transação era impedir que os nazistas assumissem o controle da empresa.

Após essa operação, a SCADTA se fundiu com a Colombian Air Service (Saco), empresa que no dia seguinte ao anúncio da fusão interrompeu suas operações. Assim nasceu, em junho de 1940, a Aerovías Nacionales de Colombia (Avianca).

“Uma vez livre dos alemães, a companhia aérea se colocou a serviço dos americanos, emprestando sua base em Barranquilla para os aviões e hidroaviões que patrulhavam o Atlântico, evitando o ataque de submarinos alemães e qualquer ação contra o Canal do Panamá”, conta o jornalista Gerardo Reyes, no livro “Don Julio”, uma biografia não autorizada do magnata colombiano Julio Mario Santo Domingo, que travou uma batalha quase “até a morte” com o construtor Fernando Mazuera pelo controle da companhia aérea.

Reyes afirma que em fevereiro de 1944 as ações da Avianca estavam distribuídas da seguinte forma: Pan American, 64%; governo colombiano, 6%; Peter Paul von Bauher (cidadão alemão nacionalizado), 10%; e outros colombianos, 20%.

Entre os acionistas colombianos estava Mario Santo Domingo (pai de Julio Mario), que teve uma importante participação no conselho de administração.

Até 1975, o maior acionista da companhia aérea tinha sido o Grupo Grancolombiano, liderado por Jaime Michelsen Uribe.

Naquela época, Michelsen vendeu sua participação ao construtor Fernando Mazuera Villegas, por um valor aproximado de US$ 1,6 milhão (50 milhões de pesos colombianos), narra o jornalista Reyes, em “Don Julio”.

No entanto, o biógrafo não autorizado explica que, apesar da participação majoritária de Mazuera, sua influência no conselho era inferior à da família Santo Domingo, que administrava a companhia aérea.

“Dentro da Avianca, Santo Domingo ergueu uma barreira intransponível na companhia de Carlos Ardila Lülle, outro acionista, para impedir que outros controlassem o conselho de administração”, diz Reyes em um capítulo exclusivo sobre a Avianca, que aborda os confrontos entre empresários.

A Assembleia Geral de Acionistas de 1977 foi lembrada como uma das mais “sangrentas” porque nela Mazuera denunciou que a Avianca não dava lucro e os dividendos distribuídos iam contra o patrimônio.

A disputa entre os empresários continuou por mais alguns meses. Mazuera queria o controle do conselho de administração. Como não teve êxito, as diferenças entre Mazuera e Santo Domingo foram resolvidas com a venda das ações do construtor.

Assim, Santo Domingo passou a ser o maior acionista da Avianca, onde permaneceu também Carlos Ardila Lülle, seu aliado na luta contra Mazuera, segundo Reyes, mas que depois acabou se tornando seu inimigo dentro da Avianca.

Santo Domingo continuou como o principal acionista da Avianca até a falência em 2003, apenas um ano antes da chegada do boliviano-colombiano-brasileiro, Germán Efromovich.

Em março de 2003, a companhia aérea entrou com um pedido de recuperação nos Estados Unidos, com base no mesmo Capítulo 11 em que se encontra hoje, evitando assim que a empresa fosse executada pelos credores.

Com US$ 65 milhões, Efromovich assumiu o controle da Avianca em 2004, primeiro com 75%, e depois com uma fatia adicional de 25%, pouco antes de sua aliança com a Taca (de Kriete) e anos antes de estrear na BVC, onde hoje não vale mais que US$ 64. Novamente, houve uma mudança no nome para Aerovías del Continente Americano, mas a sigla continuou sendo Avianca.

Em outubro de 2009 foi anunciada a fusão dos ativos da TACA Airlines em uma aliança estratégica com a Avianca. Assim nasceu a AviancaTaca, mas poucos anos depois o Taca desapareceu do nome.

O envolvimento de Efromovich foi fundamental para evitar que a Avianca desaparecesse em sua primeira recuperação judicial em 2003, mas também foi fundamental para estar novamente em situação financeira delicada. O ex-presidente do conselho da Avianca fazia parte do conselho da também falida Pacific Rubiales, petrolífera que durante anos na Colômbia parecia ser maior do que era, e que acabou desaparecendo e mudando de controladores por conta de operações que a impediram de pagar suas dívidas.

Efromovich também foi investigado no Brasil na Operação Lava Jato. Ele e seu irmão José foram acusados de corrupção que teria causado ao Estado prejuízos de R$ 650 milhões (US$ 118 milhões). Embora a investigação não tenha envolvido a Avianca, o caso afetou a percepção do mercado no aspecto governança corporativa.

Os atuais membros da Avianca têm pouco menos de um mês. Em 14 de outubro, expira o prazo para os credores da companhia aérea enviarem seus votos aprovando ou negando o plano de saída com base no Capítulo 11, e apenas cinco dias depois, 19 de outubro, é o prazo final para contestarem o acordo.

Se as aprovações necessárias forem dadas por parte dos credores e da vara de falências, os atuais acionistas serão apagados e começará a ser escrita uma nova história de controladores, que inclui alguns dos novos credores e potenciais novos parceiros que injetarão recursos.

Até o momento, a Avianca continua sendo a companhia aérea mais antiga em operação no mundo sem ter interrompido seus voos, e é a companhia aérea mais antiga da região. Sua história será interrompida aos 102 anos de existência? Isso vai depender do sucesso de sua reestruturação.

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Daniel Guerrero

Periodista y máster en comunicación política y estratégica. Especializado en periodismo económico. Anteriormente coordinador editorial de la agencia de noticias Primera Página y ex periodista macro en el diario Portafolio.