Bloomberg Opinion — O governo de Joe Biden lançou neste mês um plano inovador que pretende, até 2050, aumentar para 45% a participação da energia solar no total da eletricidade consumida pelos Estados Unidos - atualmente, esse percentual está em 4%. O anúncio foi feito tendo como pano de fundo a destruição causada pelo furacão Ida, no leste dos EUA, e os vastos incêndios florestais ocorridos no oeste. A meta de incremento no uso da energia solar é um passo necessário para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050, e evitar que esses desastres climáticos se tornem cada vez piores.
Mas, além dos benefícios climáticos, uma transição rápida e decisiva para energia solar e outras tecnologias de emissão zero renderá benefícios econômicos significativos, gerando uma possível economia de trilhões em custos de energia. Por décadas, o senso comum acreditou que um futuro de energia limpa custaria mais do que a energia fóssil do passado, mas, que, ainda assim, valeria a pena em razão dos benefícios que isso traria ao evitar maiores danos ao clima. Com base nesse raciocínio, introduzido pelo economista vencedor do prêmio Nobel, William Nordhaus, essa transição deveria ser mais lenta, para diluir os custos e atenuar os impactos do processo.
No entanto, novas pesquisas e décadas de dados acumulados sobre os custos reais da energia solar, eólica e outras tecnologias de matriz limpa viraram essa lógica de cabeça para baixo: uma mudança rápida vai custar menos. Eis o porquê: em 1975, o pioneiro dos semicondutores, Gordon Moore, observou que os chips de computador estavam dobrando de densidade a cada ano, aumentando drasticamente o poder de processamento por dólar e reduzindo os custos exponencialmente ao longo do tempo. A pesquisa do nosso grupo em Oxford, como também de outros grupos, mostra que muitas tecnologias, incluindo as de carbono zero, seguem curvas de aprimoramento semelhantes, como as descritas na Lei de Moore.
Tecnologias de carbono zero, como painéis fotovoltaicos para geração de energia solar, turbinas eólicas, baterias e eletrólise de hidrogênio, estão, há décadas, em uma trajetória semelhante à de Moore, com custos caindo cerca de 10% ao ano. A energia solar exibe este comportamento há mais tempo, tornando-se hoje 2.000 vezes mais barata do que quando foi usada comercialmente pela primeira vez, em 1958. Embora os subsídios do governo tenham ajudado, avanços fundamentais em tecnologia e nos processos de produção foram as principais causas desse declínio nos preços.
Curiosamente, os combustíveis fósseis não seguem essas curvas de queda nos custos (apesar de receberem muito mais subsídios: US$ 447 bilhões em todo o mundo para combustíveis fósseis contra US$ 128 bilhões para energias renováveis, de acordo com os últimos números). Analisamos mais de 140 anos de dados sobre petróleo, carvão e gás natural e descobrimos que seus custos ajustados pela inflação são praticamente os mesmos do final do século XIX (com base em “custos de energia útil”, uma medida que permite uma comparação direta entre diferentes tecnologias que se assemelham entre si no que se refere à experiência dos consumidores.) Embora os custos dos combustíveis fósseis tenham muitos altos e baixos, não há uma tendência de longo prazo.
Diferentemente da computação ou da energia solar, os avanços tecnológicos nos combustíveis fósseis não se traduziram em custos mais baixos para os consumidores no longo prazo. A inovação permitiu principalmente que a indústria substituísse recursos finitos à medida que eram consumidos para dar conta de uma demanda crescente, mas não proporcionou uma economia de custos substancial no longo prazo. E embora não haja consenso quanto às razões para isto, dados mostram que o custo da energia nuclear aumentou desde que a tecnologia foi comercializada pela primeira vez, na década de 1950.
Vale notar que os modelos de energia usados por governos, investidores e a maioria dos pesquisadores não são eficientes em calcular o efeito da Lei de Moore. Instituições importantes, como a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), têm subestimado sistematicamente, nos últimos 20 anos, as diminuições anuais de custo das energias renováveis. Analisamos as projeções de 2.905 modelos energéticos de grande porte e descobrimos que, em média, a queda no custo da energia solar foi quase seis vezes mais rápida do que o previsto. Portanto, não surpreende a percepção equivocada de que o carbono zero custará mais.
O século XX produziu um mandamento na industria, a Lei de Wright. É basicamente a ideia da curva de aprendizagem: quanto mais produzimos algo, mais barato fica, pois a experiência e a inovação geram economia. Nossa análise mostra que os declínios exponenciais no custo das energias renováveis são altamente consistentes com este efeito da Lei de Wright. Contudo, não se trata de um efeito universal, pois os combustíveis fósseis não seguiram essa tendência pelas razões expostas acima.
Melhorias do passado são, no entanto, boas indicações de melhorias futuras. Evidências demonstram que uma vez que tecnologias como a solar e a eólica são observadas nas curvas da Lei de Wright, a diminuição de custo é muito previsível.
As implicações disso são profundas. Podemos dizer com segurança que, quanto mais avançarmos na transição para a energia solar, eólica, baterias, eletrólise de hidrogênio e outras tecnologias de carbono zero, mais baratas elas ficarão. E há fortes indícios de que essas reduções de custos da Lei de Wright podem ser aceleradas por políticas governamentais. Na Alemanha e na China, por exemplo, as políticas de investimento e comércio aumentaram significativamente a produção cumulativa, acelerando o efeito de aprendizagem e desempenhado um papel importante nas recentes e drásticas reduções de custo da energia solar.
Nossa modelagem mostra que o que estamos chamando de “transição decisiva” para a implementação acelerada de uma matriz carbono zero permitiria um corte de US$ 26 trilhões nos custos de energia nas próximas décadas, numa escala global, em comparação ao funcionamento do sistema energético atual. Ao mesmo tempo, as metas de Paris seriam alcançadas. Essa estimativa, que também contabiliza os custos de adaptação da rede, é conservadora. A economia pode ser ainda maior se a concorrência de energias renováveis baratas fizer com que a demanda e os preços dos combustíveis fósseis despenquem. Mas, isso depende de políticas para reduzir as emissões de combustíveis fósseis a zero até 2050, o que evitaria uma retomada do uso dos combustíveis fósseis causada pela baixa nos preços.
O plano de expansão da energia solar do presidente Joe Biden representa uma transição decisiva. E poderia ser ainda mais rápida. A geração de energia solar no mundo cresceu a uma taxa média de 44% ao ano nos últimos 30 anos. Se essa tendência continuar, Biden atingirá suas metas na década de 2030 em vez de 2050.
Novas políticas são necessárias para impulsionar a implantação de tecnologias de carbono zero, expandir os mercados, acelerar o progresso nas curvas da Lei de Wright, e construir a infraestrutura de carregamento de veículos elétricos e de uma rede inteligente tão necessárias para essa transição. É imprescindível que o Congresso americano faça o que lhe cabe no plano de Biden. Isso vai economizar trilhões de dólares em custos de energia para os consumidores dos EUA, criar milhões de novos empregos, reduzir os danos causados pelas mudanças climáticas e garantir que os EUA sejam um líder no universo das tecnologias energéticas do futuro.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.
Eric Beinhocker é o diretor executivo do Institute for New Economic Thinking na Martin School da University of Oxford.
J. Doyne Farmer é professor do Instituto de Matemática da Universidade de Oxford.
Cameron Hepburn é professor da Universidade de Oxford e diretor da Smith School of Enterprise & Environment.
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