Bloomberg Opinion — Para quem não estava prestando atenção, a China leva a sério sua campanha de distribuição de renda. Com o objetivo de controlar os bilionários e reduzir as desigualdades, os reguladores apertaram o cerco contra as gigantes da tecnologia e as incorporadoras imobiliárias da China continental, custando aos acionistas mais de US$ 1 trilhão durante o processo. Na semana passada, as autoridades passaram a observar o território de Macau, maior hub de jogos de azar do mundo. Por quanto tempo os magnatas do setor imobiliário de Hong Kong conseguirão permanecer ilesos?
Os investidores acreditam que pouco tempo; a liquidação das ações do setor na segunda-feira (20) foi rápida e brutal. Os papéis das quatro grandes incorporadoras da cidade – Sun Hung Kai Properties Ltd., CK Asset Holdings Ltd., Henderson Land Development Co. e New World Development Co. – caíram ao seu nível mais baixo desde 2016. Depois de ver o que aconteceu com as ações de educação da China – outro setor na mira das restrições – e com as ações dos cassinos de Macau, os investidores decidiram vender tudo.
A movimentação das ações ocorreu após relatos de que a China pediu que bilionários do setor imobiliário do território resolvessem a crise imobiliária da cidade. Algumas autoridades de Pequim culparam os protestos de Hong Kong em 2019 pelos preços altíssimos dos imóveis, o que alimentou o ressentimento entre os jovens. A cidade foi classificada como o mercado imobiliário menos acessível do mundo pelo décimo-primeiro ano, segundo relatório divulgado por dois think tanks. Então, o que Hong Kong deve esperar?
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Os analistas do sell-side estão se preparando para cenários apocalípticos: e se as incorporadoras tiverem de doar todas as suas propriedades agrícolas (bastante substanciais) para o governo? E se forem obrigadas a vender todos os seus terrenos residenciais pelo preço de custo? A oferta limitada de terras em Hong Kong é um grande problema que o governo tem demorado a resolver. Apenas cerca de 6,9% de suas terras estão disponíveis para incorporação de imóveis residenciais, ao passo que a agricultura representa 6,1%.
Os investidores exageraram? Ao longo dos anos, as incorporadoras imobiliárias se diversificaram, chegando à China continental e além. A New World Development e a CK Asset têm apenas 14% e 16% de seu valor patrimonial líquido exposto a propriedades residenciais de Hong Kong, segundo estimativa do JPMorgan Chase & Co.
Elas corriam um risco. Sabíamos que as coisas haviam mudado no início de julho, quando Pequim colocou a gigante Didi Global Inc. sob escrutínio regulatório após a empresa ignorar os alertas e prosseguir com seu IPO nos EUA. A China não enxerga mais o capitalismo de mercado como necessário para o país; agora, a nação vai rumo ao capitalismo das partes interessadas, no qual os clientes, funcionários e até mesmo governos locais têm voz para opinar sobre a forma como as empresas fazem negócios e retêm seus ganhos.
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O aumento dos preços de imóveis se tornou um problema político no mundo todo. Na China, de forma desesperadora, algumas cidades com mercados imobiliários superaquecidos instituíram controles de preços. Nas cidades Tier 1 de Guangzhou e Shenzhen, os governos locais lançaram sistemas de referência de preços para as vendas de casas. Se, por exemplo, você pode vender seu apartamento por US$ 1 milhão, mas o comprador só pode obter uma hipoteca com base no preço de venda sugerido de US$ 500 mil, o comprador terá que desembolsar uma entrada muito maior. Isso reduz a demanda e os preços das casas.
Em meio ao aperto regulatório e vendas de ações da China, as incorporadoras imobiliárias do Índice Hang Seng ficaram bastante imunes, com queda de apenas 15,5% no acumulado do ano, contra uma queda de 26,7% do Índice Hang Seng Tech e os 46% dos operadores de cassino de Macau. Parece bom demais para ser verdade. Mas o aperto regulatório da China está chegando para os bilionários do setor imobiliário também.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Shuli Ren é colunista da Bloomberg Opinion e cobre mercados asiáticos. Anteriormente, ela escrevia sobre mercados na Barron’s, após atuar como banqueira de investimentos, e atualmente tem certificação CFA.
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