Bloomberg — Em Londres, do valor total de uma conta de água, metade cobre o valor da água encanada, e a outra metade paga pelo custo do tratamento do esgoto de cada imóvel.
Esse fato pode nos ensinar uma lição sobre o clima: já pagamos pela gestão de alguns dos resíduos gerados pela vida diária.
Mas não precisamos ficar só no tratamento de esgoto. Por exemplo, no Reino Unido, os “regulamentos de responsabilidade do produtor” abarcam itens como produtos eletrônicos, baterias e veículos. Os fabricantes repassam o custo de recolhimento e gestão desses resíduos aos clientes.
Por que não termos leis semelhantes para gerir a liberação de dióxido de carbono? Os pesquisadores da Universidade de Oxford, liderados por Myles Allen, argumentam que deveríamos. Eles defendem uma “obrigação de compensação de carbono” (carbon take-back obligation), ou CTBO, na sigla em inglês.
A ideia é simples. As empresas que extraem combustíveis fósseis devem ser responsáveis por garantir que a mesma quantidade de CO₂ gerada com seu uso seja enterrada no subsolo.
Algumas empresas de petróleo e gás já afirmam fazer algo semelhante – financiam projetos relacionados à natureza, como a prevenção do desmatamento, para compensar sua poluição. Mesmo que esses créditos funcionem como prometido (e muitos não o fazem), uma árvore só armazena CO₂ por algumas décadas. Por fim, quando a árvore morre, o carbono é liberado na atmosfera novamente.
Em vez disso, a CTBO teria como base o princípio de que o carbono removido da geosfera deveria ser devolvido ao lugar de onde veio e permanecer lá por milhares ou milhões de anos, usando tecnologia de captura de carbono. Essa é a única maneira de cumprir os objetivos do Acordo de Paris, diz Eli Mitchell-Larson, colega de Allen em Oxford.
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Claro, isso vai ser muito mais caro que comprar compensações de carbono baratas. Contudo, os pesquisadores argumentam que podemos começar por baixo, com a obrigação de capturar e armazenar apenas cerca de 10% das emissões até o final da década e 50% delas até 2040.
Essas ações são chamadas de “frações armazenadas” que aumentarão lentamente até chegar em 100% na metade do século, atendendo ao requisito definido no Acordo de Paris de “equilíbrio entre as emissões antropogênicas por fontes e remoções por meio de sequestro de gases de efeito estufa”.
Esse seria um grande feito. Atualmente, o mundo captura menos de 0,1% do CO₂. Isso significa expandir o setor em 100 vezes em menos de uma década. Mas é viável, principalmente se começar com algo menor, diz Margriet Kuijper, consultora independente em gestão de carbono.
Kuijper quer que o governo holandês adote a CTBO para o uso de gás natural. Isso porque a Holanda já está se preparando para eliminar o carvão até 2030, porém o petróleo é um pouco mais complicado de monitorar no início. Qualquer empresa que extraia gás da Holanda ou o importa do exterior será responsável por garantir que uma determinada fração armazenada em um determinado ano seja injetada de volta no subsolo.
Se isso acontecer, disse Mitchell-Larson, “de repente haverá uma demanda por dióxido de carbono, e muitas empresas muito grandes com muito capital terão de comprar CO₂ com o único propósito de enterrá-lo e cumprir a obrigação estabelecida pelo governo”. Funciona um pouco como um imposto sobre o carbono, mas é mais firmemente apoiado pela ciência. “O imposto sobre o carbono é definido como um poluidor pagar para poder poluir, ao passo que esta obrigação se trata de fazer um poluidor pagar para limpar o meio ambiente”, disse Kuijper.
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Peter Kelemen, professor de ciências terrestres e ambientais da Universidade de Columbia, conta uma história que explica por que o mundo pode arcar com a gestão do carbono. Em 1858, Londres experimentou o que os jornais chamaram de “O Grande Fedor”. O sistema de esgoto defasado e inadequado da cidade parou de funcionar durante um verão que foi atipicamente quente e seco. Ou, como relatou o jornal City Press: “É impossível ser gentil neste caso – a cidade fede, e quem uma vez inala o fedor nunca vai esquecê-lo e pode se considerar sortudo se viver para se lembrar disso”.
Como resultado, segundo as estimativas de Kelemen, o governo gastou aproximadamente 2% do PIB da cidade na época para construir um sistema avançado de esgoto e, como é possível constatar nas contas de água, os londrinos continuam pagando quantias substanciais todos os anos para mantê-lo. “Até que as pessoas entendam que jogar CO₂ no ar é como jogar excrementos na rua, não vamos gastar o que for necessário”, disse.
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