Bloomberg — No início, ninguém sabia explicar por que os negócios estavam decolando na Betterment, um robô de consultoria financeira voltado para investidores novatos. Houve cerca de 10 mil inscrições em um dia.
Então veio a resposta: um TikToker de 25 anos do Tennessee postava vídeos descrevendo como se tornar milionário e se aposentar usando a plataforma.
Seu nome é Austin Hankwitz, e ele virou um dos mais bem-sucedidos “finfluencer” dedicado em tempo integral a esse trabalho.
“Nós estávamos nos perguntando de onde vinha essa atividade toda?”, disse a diretora de comunicações da Betterment, Arielle Sobel, sobre o aumento repentino nas consultas dos clientes. “Não foi patrocinado por nós, então não tínhamos ideia.”
Esqueça aquele botão de curtir, Wall Street. Os adolescentes e jovens de 20 e poucos anos que lideram as conversas online - sobre coisas do dia-dia, produtos de beleza, sucessos de bilheteria de Hollywood, entre outros - agora estão abrindo caminho para as finanças pessoais. Influenciadores como Hankwitz podem traduzir conceitos como investimento passivo ou pagamento de impostos em vídeos de mídia social digeríveis usando tiradas divertidas, música e legendas coloridas, fazendo com que produtos de investimento pareçam acessíveis para a geração Y e a Geração Z.
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Para o setor financeiro, fazer parcerias com esses influenciadores pode ser moleza: nunca houve um acesso mais rápido e direto a esse grupo demográfico, especialmente em um momento em que o investimento no varejo disparou.
A pandemia deixou algumas pessoas com dinheiro e tempo para gastar, aumentando em 90% o tempo disponível para aplicativos financeiros na comparação com o ano anterior, enquanto os downloads desses aplicativos aumentaram 20%, de acordo com dados da empresa de análise App Annie. A participação no mercado de ações por meio do celular também decolou, com horas gastas em aplicativos de home broker e investimento crescendo 135%.
Assim que a Betterment viu a força que estava obtendo por meio das postagens de Hankwitz, ela o contratou em menos de um mês para popularizar seus serviços nas redes sociais.
Wealthfront, outro robô de consultoria financeira, fez parceria com cerca de 15 influenciadores, incluindo Haley Sacks - conhecida no Instagram como Sra. Dow Jones - de acordo com Kate Wauck, diretora de comunicações da empresa. “Francamente, eles são melhores em contar nossa história do que nós”, disse ela.
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Até o ano passado, Hankwitz estava trabalhando com as finanças tradicionais, analisando fusões e aquisições para uma empresa de saúde; fazer vídeos do TikTok era uma atividade secundária. Agora, ele é uma commodity importante para startups e empresas financeiras ansiosas para alcançar seus 495 mil seguidores. Alguns deles também o contrataram para consultoria de marketing, fizeram com que ele participasse de bate-papos com os CEOs e até o convidaram para fazer parte do conselho da empresa.
Hankwitz cobra de US$ 4.500 (R$ 25,4 mil) a US$ 8.000 por postagem em sua página do TikTok. Ele disse que a Fundrise, uma plataforma de investimento imobiliário, paga a ele todo mês para postar dois vídeos em seu TikTok e também oferece a ele um bônus mensal de até US$ 2.000 com base em quantas pessoas ele empurra para a plataforma. BlockFi, uma plataforma de negociação de criptomoedas, oferece a ele US$ 25 (R$ 132,5) por pessoa enviada para a plataforma. E o aplicativo de negociação de ações Public.com ofereceu a ele uma compensação mensal e participação na empresa por um contrato que inclui a troca dos gráficos de ações do Yahoo Finance exibidos em seus vídeos pelos deles.
Hankwitz estima que conseguiu bem mais de 240 contas para a Fundrise, 1.653 para a Public e dezenas de milhares para Betterment. Seu código BlockFi exclusivo rendeu US$ 268 mil em compras de criptoativos em um mês. Ao todo, ele atualmente representa seis empresas. E por algo entre US$ 4 e US$ 17 por mês, os superfãs podem se inscrever em seu canal Patreon, onde ele oferece análises financeiras e de investimento mais profundas. Hankwitz tem atualmente cerca de 1.100 assinantes.
“Consegui deixar meu emprego há cerca de seis meses para fazer isso em tempo integral”, disse ele.
Hankwitz se recusou a dizer quanto ele fatura anualmente, mas reconheceu que ganha mais de US$ 500 mil (R$ 2,65 milhões). Ele também disse que construiu um portfólio avaliado em cerca de US$ 1,3 milhão desde março de 2020, em parte com o patrimônio recebido das marcas que ele representa.
A mídia social pode ser um negócio lucrativo para aqueles com grande número de seguidores e habilidade para direcionar os clientes para produtos financeiros. Os criadores podem receber de US$ 100 a US$ 1.500 por um anúncio em seus stories do Instagram, de US$ 1.000 a US$ 10 mil por uma única postagem em seu feed, de acordo com dados de Brian Hanly, CEO da Bullish Studio, uma agência de talentos para influenciadores. No TikTok, o custo de uma postagem pode variar de US$ 2.500 a US$ 20 mil (R$ 106 mil), dependendo da viralidade do vídeo e da contagem de seguidores do criador.
Para chegar lá, os influenciadores precisam desenvolver uma certa persona - e no FinTok e sua contraparte no Instagram, há variedade suficiente para todos. Criadores de várias idades, origens e etnias oferecem conselhos sobre como investir em imóveis, como negociar opções de ações de forma tão simples quanto comprar maquiagem ou como usar a astrologia para prever o preço de Bitcoin.
Veja o caso de Haley Sacks, também conhecida como Sra. Dow Jones - a influenciadora com 215 mil seguidores no Instagram. Ela explica os juros compostos comparando-os à fama de Billie Eilish, ou Bitcoin lembrando do romance entre Jennifer Lopez e Ben Affleck.
Sacks, 30, começou sua carreira na comédia, trabalhando para o apresentador de TV David Letterman e o produtor do Saturday Night Live Lorne Michaels. Aprender sobre dinheiro foi uma luta para Sacks, mas uma maneira de torná-lo mais palatável para ela era compará-lo à cultura pop e às fofocas sobre celebridades. Com base nessa premissa, ela lançou a Sra. Dow Jones em 2017 e, desde então, seus seguidores não param de crescer.
“Eu criei o que precisava e o que outras pessoas também precisavam. Se você está me seguindo, você gosta da cultura pop, então temos essa linguagem em comum“, disse Sacks. “Se você pode entender a relação humana entre duas celebridades, então você pode entender qualquer conceito financeiro.”
Quatro anos depois de lançar a Sra. Dow Jones, Sacks assinou um contrato com uma agência de talentos e formou uma equipe de pessoas, incluindo uma assistente e um gerente, para ajudá-la a negociar acordos de seis dígitos com marcas. Ela começou a parceria com a Wealthfront há dois anos.
“Ela é uma estrela pop financeira. Quando você ouviu essa opinião sobre alguma coisa?”, disse Wauck de Wealthfront. “A forma como ela relaciona tudo com a cultura pop é simplesmente genial.”
Sacks também está aproveitando a recente demanda por conteúdo de finanças pessoais, oferecendo um curso em seu site, Finance Is Cool. Na segunda-feira, seus seguidores poderão comprar um curso de US$ 115, criado para ensiná-los a administrar seu dinheiro. Entre outras referências da cultura pop no curso, Sacks usou os personagens do programa de TV “Friends” para orientar seus seguidores na construção de um fundo de emergência.
Dinheiro dos outros
Embora a mídia social esteja permitindo que as empresas atinjam clientes jovens mais rápido do que nunca, elas precisam se dar conta de que o trabalho com estrelas da Internet pode ser rápido demais e pobre em termos de qualidade de informações.
“Há muito espaço para crescimento”, disse Hanly. “Não há criadores financeiros suficientes lá fora para basicamente aproveitar a quantidade de oportunidades que estão surgindo, e não há criadores financeiros de alta qualidade pregando bem.”
O conteúdo de finanças pessoais na mídia social se tornou viral por oferecer conselhos questionáveis - até mesmo errados -, enquanto esquemas de enriquecimento rápido tentaram atrair investidores novatos. Isso ocorre de muitas formas, incluindo vídeos sobre como se tornar um milionário vendendo camas de cachorro na Amazon, como usar um cartão de débito torna você financeiramente irresponsável, como “ganhar muito dinheiro” com o day-trading de câmbio ou quais ações comprar e quando comprá-las.
É por isso que o TikTok endureceu suas regras. Em maio, a empresa de mídia social disse que tomaria medidas contra criadores de conteúdo que publicam vídeos patrocinados para serviços e produtos financeiros sem rótulos claros. As empresas ainda podem pagar influenciadores financeiros pelas postagens, mas as novas restrições visam garantir que os criadores sejam transparentes ao divulgar links comerciais.
Desde então, a Betterment disse que mudou todo o conteúdo de seus influenciadores no TikTok para o Instagram e Instagram Reels. Hankwitz não voltou a firmar um acordo com a Betterment para vídeos no TikTok desde então. A Wealthfront afirmou que está otimizando outros canais, como YouTube e Instagram, e que está contando principalmente com a plataforma de publicidade paga da TikTok em vez de postagens de influenciadores.
À medida que o conteúdo fraudulento e a desinformação crescem desenfreados e sem controle, as corporações financeiras em busca de criadores de qualidade estão implementando processos robustos para verificação de conteúdos.
As equipes jurídicas e de conformidade da Betterment realizam análises detalhadas dos scripts de seus parceiros de mídia social. Os influenciadores deverão gravar os vídeos e enviar ao departamento de conformidade para uma segunda revisão. Wealthfront disse que faz extensas verificações de antecedentes sobre os influenciadores que são selecionados para parcerias antes de assinar qualquer contrato. Também inclui estipulações no contrato que permitem que o Wealthfront cancele se certos termos forem violados pelos criadores.
Nos EUA, a principal lei que rege os influenciadores financeiros é o Investment Advisers Act de 1940, que especifica o que se qualifica como consultoria de investimento e quem deve se registrar junto aos reguladores estaduais e federais para fornecê-la. Mas há uma isenção que reduz o risco para os influenciadores, de acordo com Joshua Escalante Troesh, um consultor financeiro registrado e fundador da Purposeful Strategic Partners: indivíduos não registrados podem fornecer consultoria financeira se o fizerem por meio de uma “publicação de circulação regular e geral”.
“Essa isenção legal ocorre quando muitas pessoas penduram o chapéu, até que um processo judicial aconteça, é difícil dizer de uma forma ou de outra”, disse ele. “Em última análise, será a SEC (Securities and Exchange Commission, equivalente à CVM nos EUA) ou um estado processando um influenciador por prejudicar os cidadãos em um caso judicial que determinará se eles se qualificam para uma isenção ou não.”
Ainda assim, qualquer pessoa que seja prejudicada por consultoria financeira online pode entrar com um processo no tribunal civil, disse Escalante Troesh, mas se uma punição é justificada varia de acordo com os reguladores do caso e o estado em que estão localizados.
A prevalência de desinformação pessoal que existe no TikTok e a demanda por consultoria financeira sólida são o que Vivian Tu, 27, uma ex-corretora de ações do JP Morgan, acredita que fizeram sua conta YourRichBFF explodir assim que ela a lançou. Ela publicou seu primeiro vídeo em 1º de janeiro, dizendo à TikTokers que, se eles estivessem procurando uma conta que os ajudasse a aprender dicas honestas de alfabetização financeira, era a dela. Da noite para o dia, seu vídeo teve 1 milhão de visualizações e em uma semana ela acumulou 170.000 seguidores.
Não demorou muito para que as instituições financeiras notassem. Wealthfront, Credit Karma, FinTron Invest, Insurify e Tastyworks estão entre seus aproximadamente 10 patrocinadores. Ela tem mais de meio milhão de seguidores no TikTok e recebe de US$ 3.000 a US$ 4.000 por postagem. Para alguém com um emprego de tempo integral, é um grande compromisso, disse ela. Fora de seu emprego atual em tempo integral, ela gasta de 10 a 15 horas por semana gerenciando sua conta.
“Foi muito fora do normal. Algumas pessoas fazem vídeos por meses e não têm esse tipo de alcance“, disse Tu. “Foi na época em que as pessoas recebiam cheques de auxílio, elas estavam pensando em dinheiro mais do que o normal e acho que as pessoas também estavam cansadas de ver muita desinformação.”
Ainda assim, em sua página de biografia do TikTok, ela avisa que seus vídeos “NÃO são CONSELHOS FINANCEIROS”.
“Nada do que eu disser deve ser tomado como orientação prescritiva”, disse Tu. “Finanças pessoais nunca são um tamanho único para todos.”
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