Bloomberg — Uma batalha crescente entre dois bilionários está mexendo com a comunidade financeira de São Paulo, a cidade mais rica da América Latina.
De um lado está André Esteves, o fundador de 53 anos e maior acionista do Banco BTG Pactual SA, uma potência regional em banco de investimento cujo nome, jocosamente, significa “Better Than Goldman”. No outro está Guilherme Benchimol, o fundador de 45 anos da XP Inc., a maior corretora do Brasil e um imitador descarado da gigante americana Charles Schwab Corp.
Esteves e Benchimol, ambos cariocas, estão competindo pelos R$ 10 trilhões de reais (US$ 1,9 trilhão) das poupanças que os brasileiros, que agora estão cada vez mais dispostos a investir em ativos de alto risco. Ao oferecer tecnologia e produtos antes disponíveis apenas para os muito ricos, o BTG e a XP estão conquistando clientes dos cinco maiores bancos do país, e enfraquecendo controle que essas instituições financeiras tinha sobre os investimentos dos brasileiros.
“Os dias em que o Brasil tinha apenas cinco bancos provavelmente acabaram”, diz Tito Labarta, analista de pesquisa de ações do Goldman Sachs Group Inc.
Em um país do tamanho de um continente com cerca de 211 milhões de habitantes, ter uma enorme rede de agências bancárias com milhares de gerentes costumava ser a única maneira de vender produtos de investimento para pessoas físicas. Décadas de taxas de juros altíssimas também fizeram com que os brasileiros colocassem seu dinheiro em contas de poupança ou em fundos de investimento do tipo “overnight” oferecidos pelos grandes bancos.
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Agora que as taxas estão mais baixas, os investidores buscam melhores retornos e tanto o BTG quanto a XP estão aproveitando a oportunidade. A pandemia de Covid-19 também levou os brasileiros a adotarem o banco digital, e uma série de startups estão entrando nesse mercado. Enquanto isso, os grandes bancos estão se empenhando para oferecer seus próprios produtos digitais.
Os fundos de investimento registraram ingressos líquidos recordes de R$ 350,4 bilhões nos primeiros oito meses de 2021, segundo a Anbima, a associação local dos mercados de capitais. Isso elevou o total para R$ 6,7 trilhões sob gestão, com novas empresas de gestão de fundos e de patrimônio (wealth management) sendo criadas em um ritmo alucinante.
Os ganhos vieram mesmo em meio à forte pandemia, que atingiu o Brasil de forma particularmente dura. O número de mortos no país ficou atrás apenas dos EUA, e o desemprego atingiu um patamar recorde. Cerca de 19 milhões de pessoas enfrentaram a fome no ano passado, quase o dobro de 2018, de acordo com um estudo realizado por uma rede local de pesquisadores. Estima-se que 19,3 milhões de brasileiros vivem agora com menos de US$ 1,90 por dia, mostra outro estudo.
Em uma tentativa de reanimar a economia, o governo forneceu quase US$ 60 bilhões para os brasileiros mais pobres por meio dos canais digitais. Como resultado, as transações bancárias aumentaram 20% em 2020, e mais de dois terços delas foram por meio de serviços móveis ou internet, de acordo com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). O uso de plataformas móveis para investir aumentou 63% em 2020, mostram dados da Febraban.
Uma Indústria Mais Digital
Foi Benchimol, da XP, que inicialmente provou que poderia ganhar dinheiro com investidores de varejo, disputando o negócio dos grandes bancos. Fundada em 2001, a empresa construiu uma rede terceirizada de consultores de investimentos independentes, tornando-se um supermercado financeiro que oferece produtos de renda fixa, ações, derivativos e fundos de investimentos de um número crescente de gestores e bancos.
Esteves percebeu isso e, em 2016, o BTG lançou sua própria plataforma de varejo digital para oferecer os mesmos produtos e serviços que a XP estava levando para os investidores pessoa física, visando um fluxo de receita mais estável que o varejo traz. O BTG começou a trabalhar com consultores financeiros independentes em 2019 e já conquistou quase 20 escritórios de agentes autônomos que estavam ligados anteriormente à plataforma da XP. Ao mesmo tempo, a XP adicionou 49 novos escritórios de agentes autônomos a sua rede. O BTG agora tem mais de 1.000 - muitos dos quais eram anteriormente associados a XP, que soma 9.000 autônomos.
Uma das formas mais dramáticas da competição nesse mercado ocorre com a busca por talentos. O BTG está gastando milhões para comprar escritórios de consultoria de investimento antes vinculadas à XP - uma estratégia para alcançar investidores de varejo e de alto patrimônio.
Já a XP se opôs a assinar acordos de joint ventures com algumas dessas mesmas consultorias, e ofereceu dinheiro para reter em sua rede algumas consideradas importantes. Também passou a multar muitas das consultorias que deixaram a rede da XP, alegando quebra de contrato..
As duas empresas também estão disputando posição nos rankings de gestão de patrimônio, comprando empresas menores e competindo por participações de mercado também nos segmentos de corretagem e gestão de ativos.
“O mercado é muito competitivo, mas grande o suficiente para os dois”, diz Labarta do Goldman Sachs.
No final de 2020, o BTG tinha cerca de 7,8% da indústria de investimentos do Brasil, enquanto a XP tinha 7,2% -acima dos 10% combinados em 2019, de acordo com Labarta. Ele acredita que as duas atinjam 20% de participação até o final de 2023, em um mercado que cresce de 15% a 17% ao ano.
Negociador implacável
O BTG tem uma reputação de negociador implacável e está adotando essa abordagem na sua busca pelo negócio de varejo. Desde 2019, o banco e seus acionistas levantaram R$ 10,7 bilhões nos mercados de ações do Brasil, segundo dados compilados pela Bloomberg, alimentando uma onda de aquisições de pelo menos 15 empresas. Isso incluiu um acordo para comprar a Universa, que controla corretora, gestão de ativos e empresas de pesquisa. A Universa, que tem como sócio Paulo Lemann - filho do bilionário Jorge Paulo Lemann -, é especialmente popular entre os investidores de varejo, com mais de 425 mil clientes e R$ 11 bilhões em ativos custodiados.
A XP também seguiu com sua própria estratégia de transações. Desde sua oferta pública inicial na Nasdaq em 2019, a XP e seus parceiros levantaram US$ 4,5 bilhões, alimentando a compra de participações em pelo menos 27 empresas menores. Um exemplo foi a Giant Steps Capital, a maior administradora de fundos quantitativos da América Latina, que foi disputada por ambos os lados antes de optar por vender uma participação minoritária para a XP.
Algumas batalhas acabaram na Justiça. Em maio, o BTG fechou uma parceria com a Acqua-Vero, assessoria de investimentos afiliada à XP que tem cerca de US$ 1,62 bilhão sob custódia. Isso não caiu bem com a XP, que pede R$ 135 milhões da Acqua-Vero por supostamente violar seu contrato. A Acqua-Vero nega a violação de qualquer contrato e está entrando com uma ação no Cade, órgão regulador antitruste do Brasil, que acusa a XP de tentar restringir a concorrência.
Os dois lados também estão competindo por influenciadores digitais. Pablo Spyer, o equivalente local de Jim Cramer da CNBC, pulou do barco de uma empresa associada ao BTG em junho de 2021 e foi para a XP. Spyer trouxe com ele mais de 1,1 milhão de seguidores por meio de suas várias contas de mídia social e seu bordão: “Vai Tourinho!”.
Os seguidores de Spyer e muitos outros investidores de varejo migraram para a bolsa durante a pandemia. O número de investidores pessoa física da bolsa chegou 3,9 milhões, ante 600 mil do final de 2018. Alguns desses investidores estão aplicando pela primeira vez em ações, em um fenômeno não muito diferente do da Robinhood Markets Inc. nos EUA.
Essa exuberância desse mercado de investidores pessoa física levou a XP e BTG para as fileiras das empresas mais valiosas do Brasil. XP vale mais de US$ 26 bilhões, excedendo o valor de mercado de US$ 20 bilhões do BTG, uma métrica utilizada frequentemente para comparar as duas empresas.
“No Brasil você tem os bancos incumbentes, que são lucrativos, mas estão tentando defender o market share; os entrantes, que estão ganhando participação, mas sem lucros; e o BTG, que está crescendo muito, ganhando participação, mas com rentabilidade “, afirma o presidente do BTG, Roberto Sallouti.
Benchimol x Esteves
Benchimol e Esteves não têm a indústria só para eles. Players importantes, como JPMorgan Chase & Co. e Berkshire Hathaway Inc. de Warren Buffett, aportaram dinheiro para empresas brasileiras de tecnologia financeira nos últimos anos, na esperança de abocanhar uma fatia da indústria de investimento local.
“O Brasil tem escala - é um dos maiores mercados de varejo bancário do mundo em receita, e há um impulso para a inovação e modernização no setor, inclusive por parte do banco central”, disse Daniel Darahem, CEO do JPMorgan no Brasil. “O Brasil é um mercado atraente para quem deseja investir em serviços financeiros digitais. Somos apenas um exemplo.”
O JPMorgan anunciou em junho a aquisição de uma participação de 40% no C6 Bank, um banco digital. O dinheiro investido na fintech será usado principalmente para fortalecer a plataforma de investimento digital, disse o fundador Marcelo Kalim.
Uma semana antes, a Berkshire Hathaway anunciou um investimento de US$ 500 milhões na Nu Pagamentos SA, avaliando a empresa brasileira em US$ 30 bilhões. O Nubank, como a fintech é conhecida, começou vendendo um cartão de crédito sem taxas e sem burocracia, depois se expandiu para se tornar o maior banco digital independente do mundo, com mais de 40 milhões de clientes. Agora, está se expandindo para seguros e gestão de ativos por meio de aquisições e oferta de novos produtos, de acordo com a cofundadora Cristina Junqueira.
As fintechs brasileiras levantaram US$ 2,6 bilhões com fundos de private equity e venture capital este ano até julho, de acordo com o Inside Fintech Report, uma pesquisa do Distrito Dataminer, que também mostrou que o Brasil tinha 876 startups financeiras no final de 2020. Para toda a região da América Latina, empresas de tecnologia financeira levantaram um recorde de US$ 4,2 bilhões até 28 de junho, 52% a mais do que em todo o ano de 2020, de acordo com dados da CB Insights. A América do Sul liderou o crescimento global tanto em negócios quanto em financiamento no segundo trimestre de 2021, disse a CB Insights.
“Os mercados financeiros do Brasil estão em um ponto de ebulição”, diz Gabriel Leal, um dos principais parceiros da XP. “Definitivamente, há espaço para novos jogadores, mas talvez não para 30 novos jogadores.”
Fintechs
Enquanto as fintechs estão se tornando mais parecidas com os grandes bancos, os grandes bancos estão se tornando cada vez mais parecidos com as fintechs, diz Labarta do Goldman. O que está em jogo é algo maior do que apenas a indústria de investimento de varejo. Os bancos brasileiros geraram cerca de R$ 800 bilhões em 2020 com a venda de produtos como seguros, gestão de ativos e empréstimos, de acordo com Leal. “As oportunidades estão por toda parte”, diz ele.
O Itaú Unibanco Holding SA e o Banco Bradesco SA, os dois maiores bancos do país em valor de mercado, estão reduzindo custos, investindo fortemente em tecnologia e criando suas próprias plataformas digitais. Ao mesmo tempo, os bancos gigantes estão cortando preços, oferecendo produtos mais sofisticados aos investidores de varejo e tentando encontrar novas maneiras de remunerar os funcionários.
Por exemplo, o Itaú está reduzindo as taxas de administração de seus fundos, diz Renato Lulia, chefe de inteligência de mercado e relações com investidores do banco. “Precisamos lutar muito para manter nossa participação no mercado”, diz ele.
No Bradesco, os funcionários estão sendo reciclados como gestores de investimentos, afirma Leandro Miranda, diretor executivo do banco. “Novos participantes entrarão em guerra na disputa por consultores de investimento e isso acabará tornando seus custos para conseguir clientes maiores do que os nossos”, afirma. “Eles estão pagando por algo que eu já tenho.”
Miranda diz que algumas fintechs estão aceitando clientes de varejo não lucrativos, que ele chama de “não bancarizáveis”, para ganhar participação de mercado e mostrar crescimento. Os grandes bancos também expressaram queixas sobre como os reguladores deveriam impor regras de capital mais severas às fintechs maiores, e o Banco Central fez uma consulta pública sobre o assunto no início deste ano, sinalizando mudanças futuras.
Para Junqueira, cofundadora do Nubank, os ganhos de participação de mercado que as fintechs conquistaram no Brasil vieram para ficar, apesar das tentativas dos grandes bancos de manter seu domínio.
“Acho que grande parte do sistema bancário tradicional terá dificuldade em sobreviver”, disse Junqueira em um evento virtual da Bloomberg New Economy Catalyst em junho. “Talvez eles se tornem infraestrutura - os canos por trás das empresas que oferecem melhores experiências e produtos que as pessoas desejam, o que é algo que eles não conseguiam fazer há décadas”.
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