Ian Bremmer e a consultoria de risco político que fundou, Eurasia Group, são fontes de informação para as principais personalidades políticas e financeiras em todo o mundo.
Em uma conversa com a Bloomberg Línea, Bremmer analisou os principais acontecimentos que marcam a agenda geopolítica da América Latina hoje e no futuro: estava cético quanto à implementação do Bitcoin como moeda oficial em El Salvador e estimou que o resultado adverso para o governo argentino nas primárias do último domingo é um presságio de aprofundamento da crise econômica no país.
Ele também criticou duramente o presidente Jair Bolsonaro após as manifestações de 7 de Setembro e seus ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), bem como a intenção de apaziguar os ânimos alguns dias depois. E embora tenha garantido que o presidente não poderá permanecer no poder por meios “extralegais”, considerou que existe uma possibilidade real de que ocorra um cenário semelhante à invasão do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro, só que “muito mais violento”.
A entrevista a seguir foi editada para fins de extensão e clareza
Bloomberg Línea: Como você interpreta as ações de Jair Bolsonaro no dia 7 de Setembro? Tanto suas declarações inflamadas quanto a carta de conciliação divulgada dois dias depois, após sofrer duras críticas.
Bolsonaro é um palhaço e se apresenta a seus partidários, mas também entende que existem certos limites que ele não pode ultrapassar. As declarações feitas no Dia da Independência, durante as manifestações, foram muito claras: ele não aceitaria nenhuma decisão de um juiz do Supremo Tribunal que vem investigando seu círculo íntimo. Dois dias depois, ele divulga uma declaração por escrito dizendo que fará tudo de acordo com os canais judiciais adequados. Essas afirmações são totalmente incoerentes, como se fossem feitas por pessoas diferentes.
A realidade é que ele é um showman, um artista; ele está inflamando sua base, mas também está disposto a mudar seu tom para o que for conveniente e útil dependendo do dia. É uma grande decepção que um país tão importante como o Brasil seja liderado por alguém tão claramente incapaz de ocupar esse cargo.
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Você acredita que isso afeta o papel do país na região? Principalmente considerando que Lula é seu principal adversário e também desperta fortes emoções local e internacionalmente.
Quando o presidente do país diz que não tem como perder uma eleição democrática, que as alternativas são ganhar, ser preso ou morto, é uma mentira. É ridículo. Assim, ele provavelmente perderá. Não vai conseguir assumir o controle por meios ilegais. Não tem mais capacidade para fazer isso do que Trump tinha nos Estados Unidos, apesar dos eventos de 6 de janeiro. O perigo no Brasil é que um evento como o de 6 de janeiro possa ser muito mais violento.
Bolsonaro, ao contrário de Trump, era militar, e há muitos policiais militares em alguns estados que dependem de governadores leais ao presidente. Se houvesse uma contestação extrajudicial às eleições, é possível vê-los se posicionando do lado dos militares, da cadeia de comando das Forças Armadas, da cúpula militar, e decidindo que vão reconhecer e apoiar Bolsonaro. Isso, é claro, não aconteceu nos Estados Unidos. No caso do Brasil, muita gente poderia morrer.
Parece-me que Bolsonaro, a um ano da eleição, está levando a uma ruptura possivelmente mais facciosa e violenta à medida que avançamos para o que será a eleição mais disfuncional de 2022 para um grande país. Fico preocupado, mas quero ser muito claro: você não pode roubar as eleições. É uma eleição nacional, federal. Os votos não são contados estado por estado, por isso é mais difícil de fazer isso que nos Estados Unidos. E seu partido não tem tanta força.
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A grande questão é se Lula será o vencedor ou se Bolsonaro se torna tão incompetente, tão incapaz de funcionar, que um número suficiente de seus partidários se desgarra e se junta a um partido de centro. Nos Estados Unidos isso não acontece de verdade, mas no Brasil pode acontecer, e acredito que essa é a questão interessante para os mercados.
Na Argentina, o cenário eleitoral do último domingo foi bem diferente. O país poderia tentar se posicionar como uma alternativa estável na região?
As eleições na Argentina foram tranquilas em comparação com o Brasil, mas, em termos de estabilidade política e econômica, tem muitos problemas devido ao fato de que o partido no poder – o governo de Alberto Fernández – teve um péssimo resultado nas eleições primárias, principalmente na província de Buenos Aires, na qual perdeu para a oposição conservadora por cerca de cinco pontos.
É uma grande derrota para os peronistas. Isso significa que Fernández perderá muito poder e Cristina Kirchner terá muito mais influência. A opinião de Kirchner é que Fernández não foi forte o suficiente, nem interveio o suficiente na economia. Então eu acredito que nos próximos meses haverá uma forte crise econômica na Argentina, porque ela poderá dizer: “queremos intervir fortemente na economia”. As negociações com o FMI vão ficar muito piores. Acredito que isso será um problema. No longo prazo, é claro, significa que eles perdem o poder, mas no curto prazo é perigoso para o país.
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Como você analisa a implementação do Bitcoin como moeda oficial em El Salvador?
[O presidente Nayib] Bukele está em uma situação difícil. A economia não vai bem, o governo está sofrendo muita pressão dos Estados Unidos, e eles não gostam disso nem de ser dolarizados. Minha preocupação é que Bukele não seja apenas um crypto bro que quer mostrar que é tecnologicamente sofisticado, mas que também esteja apostando com a moeda de seu país. É como ir a um cassino e apostar todo o seu dinheiro no vermelho ou no preto. Acho que a esperança dele é que o Bitcoin vá disparar e, consequentemente, a economia melhore. Mas, como sabemos, a volatilidade do bitcoin o torna fundamentalmente inadequado para ser a moeda de um país.
Isso deve ser para pessoas ricas que têm dinheiro para apostar. Por este mesmo motivo, não gostei que a Robinhood criou uma atmosfera de cassino. Sim, todos podem fazer operações, mas todos sabemos que nesse ambiente geralmente são os pobres, que não têm muito conhecimento nem renda extra, que acabam perdendo. A iniciativa não é muito popular, e as pessoas ficam um pouco assustadas e não entendem bem. Claro, muitos estão baixando o aplicativo. Bukele disse que todos receberiam US$ 30 ao se inscreverem. Por que não fazê-lo? Afinal, são US$ 30. Mas isso não é dizer que será um lançamento bem-sucedido da criptomoeda.
Como você analisa o desenvolvimento das negociações da Venezuela no México?
Vejo um pouco de progresso no sentido de que [Henrique] Capriles está muito mais disposto a negociar com o presidente e está tendo uma abordagem mais gradual a respeito da reforma que [Juan] Guaidó, que tinha uma postura que dizia muito mais “precisamos tirar esse cara, não importa como”. Acredito que isso cria a possibilidade de que ambos os lados façam concessões que podem melhorar a situação humanitária e reduzir as sanções até certo ponto. Mas, novamente, o país está sendo liderado de forma terrível e está em uma área economicamente desastrosa. E isso não vai mudar no curto prazo.
Ao ser eleito, falava-se muito que Biden seria o presidente dos Estados Unidos com maior conhecimento da América Latina, mas não parece que sua agenda regional mudou muito desde janeiro. Como você vê a relação entre os EUA e a América Latina em geral?
Eu diria que não é uma prioridade para os EUA, com exceção da situação na fronteira, que piorou um pouco porque o governo Biden é menos severo ao lidar com imigrantes ilegais na fronteira e nos EUA. Foi interessante ele decidir que Kamala Harris tinha cacife para lidar com a fronteira e especificamente o Triângulo Norte.
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Ela é da Califórnia e tem muita experiência no tema. Biden conhece a América Latina muito bem, mas ele realmente não se relaciona muito com a comunidade hispânica nos Estados Unidos. Ela não é forte no estado de Delaware. Como senador, ele falou com trabalhadores, com a comunidade negra, ele se comprometeu com os soldados e militares. Mas com os latinos dos EUA, nem tanto. Acredito que esse foi o motivo pelo qual disse “você é a vice-presidente, lide com isso”. É um assunto bastante difícil de abordar com eficácia para ela, e não acredito que ela tenha ido muito bem até agora.
Você acredita que é possível encontrar áreas de benefício mútuo com a reconfiguração do painel global após a pandemia?
Os Estados Unidos estão tentando reduzir as cadeias de suprimentos até certo ponto. Certamente com os trabalhadores norte-americanos, mas também com o T-MEC. Acredito que essa é a área que pode ter mais investimentos e mais integração. E o quintal dos EUA é uma área na qual veremos mais disposição para investir mais em infraestrutura para competir com a China. O plano de investimento global Build Back Better começou com os norte-americanos, japoneses e australianos focando na Ásia, mas haverá interesse em focar na América Latina também.
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