Gritos de Bolsonaro não escondem seu fracasso

Após convocar sua base de apoiadores a tomar as ruas na terça-feira (7), o presidente aumentou o atrito com as instituições e dificultou os acordos necessários para retomar a agenda econômica

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Bloomberg Opinion — A aposta do presidente Jair Bolsonaro de que as multidões de seus apoiadores no Dia da Independência o ajudariam a sair de uma situação difícil não saiu bem como planejado. Dezenas de milhares compareceram em São Paulo e em outros lugares, enfeitados com a bandeira verde e amarela. Bolsonaro respondeu com ataques ao sistema eleitoral, a seus oponentes e ao Supremo Tribunal Federal (STF), garantindo que nunca iria para a prisão, e disse ao público que “só Deus” poderia destitui-lo.

Mas o que foi planejado como uma demonstração de força revelou, em vez disso, uma figura isolada de todos, exceto de seus defensores obstinados, contando com bravatas e a ameaça de um golpe para desviar a atenção da incapacidade do presidente de navegar pela crise mais complicada do Brasil em anos, se não décadas. Pior, ao alimentar o furor político, ele dificultou ainda mais a resolução do conflito fiscal dos precatórios e a promoção das reformas econômicas extremamente necessárias.

Com as eleições em pouco mais de um ano, vai ser ainda mais difícil fugir da realidade. Além do manejo desastroso da pandemia que ceifou mais de 580 mil vidas de brasileiros, as investigações de corrupção generalizada e a seca que aumentou as contas de energia à medida que os reservatórios secam pioraram um quadro de inflação já sombrio e atingiram o crucial setor agrícola. O desemprego continua atingindo níveis recorde e, juntamente com o subemprego, devasta os trabalhadores informais, que representam dois quintos da mão de obra nacional.

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Em 2019, Bolsonaro trouxe esperanças para os investidores, afirmando que ele e o ministro da Economia formado pela Universidade de Chicago, Paulo Guedes, poderiam reanimar uma economia em crise com a reforma da previdência, o aumento das privatizações, a redução da burocracia e dos impostos e o controle dos gastos governamentais. Quando acompanhei a comitiva do presidente em Davos, durante sua primeira visita ao exterior, ele foi homenageado pelos participantes. O ex-capitão do exército não era exatamente agradável pessoalmente, mas as promessas de livre mercado e combate à corrupção de sua equipe inspiravam confiança, e ele era visto como aquele que poderia romper com as propinas e o nepotismo do passado. O Brasil poderia finalmente sair da recessão de 2014-2016 e melhorar sua classificação relativa à facilidade de fazer negócios.

Não foi bem o que aconteceu.

Os primeiros sucessos – especificamente as reformas previdenciárias – foram ofuscados por desastres absolutos, como o manejo do coronavírus. Bolsonaro negou a gravidade da doença, lutou contra os lockdowns, adotou curas charlatanescas e teve diferentes ministros da Saúde. O Brasil tem o segundo maior número de fatalidades de Covid do mundo. Mais doses de vacina estão sendo aplicadas, porém menos de um terço da população está completamente vacinada, e o país enfrenta a perspectiva de taxas de infecção altas e contínuas e um risco persistente de surtos.

Agora, a turbulência política alimentada por Bolsonaro está frustrando as esperanças de um retorno à agenda econômica inicial no pós-pandemia. Conflitos amargos em todas as frentes, com o STF, com as autoridades eleitorais e oponentes no legislativo torna improvável o progresso significativo da revisão do oneroso sistema tributário ou das reformas administrativas para reduzir o custo dos salários do setor público. Como disse o ministro da Economia no mês passado, há muito barulho.

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A disputa constante, principalmente com o judiciário, também está dificultando a resolução do impasse orçamentário do país, à medida que o governo luta para equilibrar os pagamentos de precatórios e as pressões inflacionárias com a avidez do presidente em ampliar o Bolsa Família, na esteira da popularidade do auxílio emergencial. Tudo está pesando sobre o real e elevando o custo dos empréstimos também, com rendimentos de títulos de 10 anos acima de 11%, valor mais alto desde que Bolsonaro assumiu o comando. O flerte com o processo de impeachment também não vai fazer as coisas melhorarem.

Enquanto isso, a recuperação econômica pós-Covid enfrenta ventos desfavoráveis, variando entre preços mais baixos de commodities importantes, como minério de ferro e soja, e o aperto agressivo da política monetária – a Selic está em 5,25% e deve subir mais um ponto percentual neste mês – enquanto o banco central luta contra os aumentos estarrecedores nos preços.

O fato de que as provocações de terça-feira (7) não causaram uma insurreição nos moldes da invasão do Capitólio dos EUA traz certo alívio. Instituições como o STF se mantiveram firmes contra os ataques presidenciais. Christopher Sabatini, membro sênior da Chatham House para a América Latina, argumenta que o judiciário provavelmente continuará resistindo se Bolsonaro continuar batendo de frente em vez de optar por uma deterioração mais lenta, uma perspectiva muito mais perigosa e difícil de resistir.

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Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido antes de outubro de 2022 e, na ausência de sucessos inesperados, o presidente continuará recorrendo a provocação e conspiração, desafiando a estrutura da democracia brasileira e desestabilizando ainda mais os mercados. Como disse William Jackson, da Capital Economics, os investidores podem ter dificuldade para enxergar um bom resultado se a corrida presidencial for, como esperado, uma escolha entre um Bolsonaro cada vez mais populista e imoral e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – cuja base atual é desconhecida.

Brasileiros e investidores que desejam uma mudança podem ter de esperar um pouco mais. Enquanto isso, uma retórica presidencial mais sóbria pode pelo menos impedir que o trabalho de Guedes fique ainda mais difícil.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Clara Ferreira Marques é colunista da Bloomberg Opinion que cobre commodities e questões ambientais, sociais e de governança. Anteriormente, foi editora associada da Reuters Breakingviews e editora e correspondente da Reuters em Cingapura, Índia, Reino Unido, Itália e Rússia.

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