Ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual secretário de Projetos e Ações Estratégicas de São Paulo, Rodrigo Maia (sem partido) afirma que o atual governo está “empurrando com a barriga” a crise hídrica por causa do calendário eleitoral e diz que inovações como a “captura do Orçamento pelo parlamento” e a “bomba atômica” dos precatórios produzirão uma “herança maldita” em 2023.
“O próximo presidente vai ter que desfazer isso”, disse Maia em entrevista à Bloomberg Línea, na última sexta.
Quando presidiu a Casa no final do mandato-tampão de Michel Temer (MDB) e no primeiro biênio de Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado licenciado conduziu uma agenda que entregou as reformas trabalhista (2016), a previdenciária (2019) e mudanças na legislação defendidas pelo setor privado, como o Marco do Saneamento – um retrospecto que o faz ter trânsito tanto em Brasília quanto com o setor empresarial.
Maia disse que o atual ambiente de polarização do país – segundo ele, estimulado pelo presidente da República, segundo ele – terá como custo o crescimento menor nos próximos anos. E que ataque às instituições, meio ambiente e relações internacionais são temas que antecedem qualquer decisão de investimento.
“Essa instabilidade institucional está deixando para segundo plano, muitas vezes, uma outra agenda que é fundamental, que é a agenda da economia, a agenda do crescimento, da geração de empregos, que cuida da vida das pessoas. A questão institucional das despesas públicas, a responsabilidade fiscal”, disse ele, em entrevista na última sexta (3).
Dizendo-se traído pelo presidente do DEM, ACM Neto, na disputa de sucessão na Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia deixou o partido e, este ano, passou a integrar o primeiro escalão do governo de João Doria (PSDB), pré-candidato a presidente e um dos principais adversários políticos de Bolsonaro. Assim como o tucano, Maia também adota um tom duro nas críticas ao presidente.
“Eu acho que essa agenda, o presidente Bolsonaro ameaçando sempre, como ameaçou novamente, que o 7 de Setembro será o divisor de águas, sempre ameaçando, uma coisa agressiva, não é que a gente não deva defender as instituições e impor um limite a ele, mas a gente tem que tomar cuidado, porque a sociedade também quer ver nos jornais a preocupação de todos nós com o preço da gasolina, com o preço do feijão, do arroz, dos alimentos, com o desemprego, o aumento da informalidade.”, continuou.
Apesar de chamar a agenda de confrontação do presidente Bolsonaro de “espuma” diante dos problemas da economia real, o ex-presidente da Câmara estar preocupado com os atos desta terça.
“A gente fica com essa espuma toda na frente, a gente está preocupado, com razão, com o 7 de Setembro, com o que vai acontecer, se as polícias militares em alguns estados vão entrar para ajudar as manifestações, se elas serão violentas ou não, as ameaças do presidente, ocupa muito espaço, enquanto isso, o dia a dia, a vida das pessoas está sendo negligenciada”, analisa.
Segundo ele, a economia cresce pouco, e cresce trocando emprego formal por emprego informal. Maia afirma que a pauta da própria sobrevivência neste momento faz com que as pessoas não estejam preocupadas com a eleição de 2022, ainda distante.
“Eu acho que tem uma maioria da sociedade, e é por isso que a gente ainda não tem um candidato de centro viável, que está no seu dia a dia vivendo a sua vida. Talvez essa crise institucional que precisa ter reação, acho que o Supremo tem reagido bem, acho a Câmara na minha presidência reagiu bem, o Senado vem reagindo bem agora, eu acho que ela é fundamental, ela é importante, mas isso tira um pouco do foco”, disse.
ASSISTA Rodrigo Maia sobre a crise hídrica: “Bolsonaro trabalha pouco, sai cedo do Palácio, não sei como ele consegue administrar um país como o Brasil”
Pela ótica do deputado licenciado, a maneira como o governo federal vem lidando com a crise hídrica não pode ser comparada com a gestão da crise de 2001 por algumas diferenças tanto de temperamento quanto de timing político.
“Bolsonaro não governa, ele não é gestor, não gosta, trabalha pouco, sai cedo do Palácio. Não sei como ele consegue administrar um país como o Brasil e não sei se ele está querendo trazer para ele essa responsabilidade. O Fernando Henrique estava no final do seu segundo mandato”, compara.
Quando o país enfrentou o apagão de 2001, Fernando Henrique não era candidato a nada no ano seguinte, enquanto Bolsonaro busca um novo mandato no próximo ano. Segundo ele, o Palácio do Planalto já deveria ter estabelecido uma uma coordenação para lidar com o problema da escassez de energia, envolvendo não apenas o Ministério das Minas e Energia, mas outros atores políticos e gestores do governo federal.
“Eu acho que o Fernando Henrique faria o que fez de qualquer jeito. Pela sua responsabilidade, ele abriu mão de qualquer popularidade. O Bolsonaro é candidato. Como disse, acho que o presidente Fernando Henrique faria de qualquer jeito. O Bolsonaro eu tenho muitas dúvidas pelo que estou ouvindo. Acho inclusive que, muitas vezes, eles estão empurrando de fato com a barriga.”
Danos à reputação de bom pagador do país
Maia vê com ceticismo a agenda para limitar artificialmente o crescimento dos precatórios no Orçamento e afirma que o país vai arcar com uma “herança maldita” a partir de 2023, independente de quem seja eleito no ano que vem.
“A proposta, infelizmente, com todo o respeito, que o presidente Fux está fazendo, é uma proposta que é uma bomba atômica, no respeito do Brasil como um país sério, que paga as suas contas e isso fica um pouco de lado”, afirma.
“O economista Marcos Lisboa já disse que vamos ter uma herança maldita em 2023, herança nessa área toda fiscal, econômica e está cada vez mais claro que isso vai acontecer”, declarou.
Uma das críticas é ao que ele chama de “orçamento capturado pelo parlamento” – o crescimento exponencial do pagamento de emendas, além das impositivas, mas também a do relator, uma inovação desta legislatura.
Segundo ele, o próximo presidente vai ter que desfazer isso: “Não dá para ser desse jeito. Não que o parlamento não possa ter importância, em conjunto com o governo federal, da decisão de investimentos do governo federal, mas não pode capturar como capturou o orçamento.”