Bloomberg Opinion — Um ano e meio após o início da pandemia, os americanos estão mais confusos do que nunca quanto aos riscos que enfrentam, e isso serve para especialistas e leigos. Casos e hospitalizações estão em disparada em quase todos os estados, mas as mensagens sobre os riscos para pessoas totalmente vacinadas ainda causam confusão.
Recentemente, o New York Times relatou que, em um número limitado de estados que disponibilizam essas informações, 12% a 24% das pessoas hospitalizadas por Covid-19 foram totalmente vacinadas. Ouvimos relatos de que a vacina está perdendo força em ritmo acelerado em Israel, país que enfrenta um forte surto de Covid-19, e que no Reino Unido, a maioria das mortes recentes ocorreu entre pessoas vacinadas. Ainda assim, os Centros de Controle de Doenças dos EUA usaram dados do Condado de Los Angeles para divulgar a estatística um tanto tranquilizadora de que pessoas não vacinadas têm 29 vezes mais chance de serem hospitalizadas do que as vacinadas.
Parte do problema é que os dados podem ser interpretados de maneiras diferentes, dependendo se o objetivo é persuadir as pessoas a tomar a vacina ou persuadir pessoas já vacinadas a usar máscaras em público. A outra parte do problema é que os dados são muito mais limitados do que deveriam.
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Isso deixa o público com muitas perguntas sem resposta. Devemos esperar a terceira dose antes de voltar a ter vidas sociais? Quanto o reforço ajudará? As vacinas estão perdendo efeito ou apenas não são tão boas em proteger as pessoas da variante delta?
Em maio, o CDC deixou de monitorar infecções entre as pessoas vacinadas, a menos que fossem hospitalizadas. Parecia razoável, já que o mais importante, é claro, são doenças graves e mortes, e os recursos são limitados.
Mas o lapso na coleta de dados foi pior do que isso, afirmou Eric Topol, médico e diretor do Scripps Research Translational Institute em La Jolla, Califórnia, e autor de um artigo recente no Guardian intitulado “A América está voando às cegas quando trata-se da variante delta.” Acontece que as pessoas hospitalizadas também não foram sistematicamente mapeadas, além dos dados locais limitados usados em estudos.
“Agora temos mais de 102 mil americanos hospitalizados e não temos ideia de qual proporção está vacinada ou não”, afirmou Topol.
Entre os internados em hospitais, mesmo nos estados mais sobrecarregados, deveria ser simples registrar a idade, o status de vacinação, que vacina receberam, e quando. É o tipo de dados que os americanos podem presumir que foram usados para apoiar a recente decisão de recomendar reforços para todos, oito meses após as doses iniciais. Quando investiguei a justificativa de reforço para outra coluna, descobri que não havia consenso de especialistas sobre se a eficácia das vacinas estava diminuindo com o tempo ou se estamos vendo os efeitos da altamente contagiosa variante delta, no momento em que as pessoas retomam suas vidas sociais de antes.
No momento, estamos contando com dados de Israel para recomendar reforços, mas seria muito melhor para os EUA ter seus próprios dados do que improvisar a partir da experiência de outros países. Se os não vacinados têm realmente 29 vezes mais probabilidade de serem hospitalizados, por que as doses de reforço são tão urgentes?
É difícil dizer se salvamos mais vidas administrando vacinas de reforço a todos os americanos ou enviando nossas doses de vacina em excesso para o exterior, onde podem ajudar a nos proteger de outra variante mais perigosa oriunda de um país com baixa taxa de vacinação, como foi com a delta na enorme onda na primavera indiana.
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Como detalhado em um artigo de opinião do New York Times intitulado “Show Me the Data!”(Mostre-me os dados!), especialistas buscam respostas no Twitter, o que não inspira muita confiança. Os dados são particularmente escassos na duvidosa área de risco entre crianças, que ainda não podem ser vacinadas. Os EUA também não realizaram estudos de mapeamento de contatos que poderiam ajudar a identificar atividades ou locais que representam o maior risco.
O problema não é inteiramente culpa do CDC. Na semana passada, o Politico revelou que diversos departamentos de saúde estaduais e municipais não estavam conseguindo coletar dados sobre o status de vacinação de pacientes hospitalizados, então o CDC não pôde obter os dados necessários em muitas regiões. Departamentos de saúde regionais afirmaram não receber os recursos necessários para produzir o relatório. Parecia um colapso de um sistema que deveria exigir o mínimo de organização entre departamentos de saúde locais e o governo federal.
Os dados são importantes não apenas para os tomadores de decisão do governo, mas, cada vez mais, para todos nós, já que agora devemos usar nosso próprio entendimento de risco para navegar em nossas vidas. Agora temos permissão para viajar, nos reunir e ir a restaurantes com base em nosso próprio julgamento, enquanto recebemos mensagens confusas sobre se alguma dessas coisas é razoável se você for vacinado.
A maioria dos especialistas parece concordar que aglomerações são um fator importante na propagação de ondas, especialmente as que reúnem pessoas repetidamente, como casamentos ou a celebração do 4 de julho em Provincetown, Massachusetts. Mas, como apontou William Hanage, epidemiologista de Harvard, entre outros, o risco depende muito de quanto o vírus está circulando em uma determinada comunidade, e isso nem sempre é fácil de determinar.
Quando a mídia fornece números, geralmente são apresentados de forma ambígua, talvez com a intenção de chamar mais a atenção do que informar. Os meios de comunicação relataram amplamente a afirmação do CDC de que 99,99% das pessoas vacinadas não contraíram uma infecção grave o suficiente para hospitalização - então, apenas 0,01% precisaram de hospitalização. Mas Eric Topol da Scripps aponta números contraditórios, mostrando que 1% das pessoas infectadas no surto de Provincetown foram hospitalizadas.
Essa é uma diferença de um fator de 100 - o que é muito grande - mas há alguma confusão sobre o denominador. O número de Provincetown parece ser baseado na porcentagem de pacientes hospitalizados entre todas as pessoas vacinadas que tiveram resultado positivo, mas o número de 99,99% do CDC pode medir algo diferente - o número de pacientes vacinados hospitalizados em comparação com todas a população vacinada.
Seria uma estatística estranha de apurar. Mesmo que os não vacinados tenham 29 vezes mais chance de hospitalização, isso significa que suas chances ainda são muito boas, com 99,71% não evitando a hospitalização.
Muitas vezes, números são lançados para tentar persuadir as pessoas a serem vacinadas - mas não há números suficientes para realmente ajudar as pessoas a navegar depois de serem vacinadas. Não se trata mais apenas de tomar a vacina e usar máscara para ir ao supermercado. O CDC apenas aconselhou idosos a não fazerem cruzeiros, mesmo que vacinados, mas e quanto a outros tipos de viagens, ou o casamento de uma filha, ou apenas aquela reunião com amigos? Os mais jovens devem visitar nossos amigos ou parentes mais velhos que estão isolados e ansiosos por companhia?
Os mais vulneráveis entre nós às vezes são mais propensos a assumir os riscos pois não têm muito tempo em mãos. No mínimo, o governo e a mídia devem a eles as informações necessárias para decidir com sabedoria.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.
Faye Flam é colunista da Bloomberg Opinion e apresentadora do podcast “Follow the Science”. Já escreveu para The Economist, New York Times, Washington Post, Psychology Today, Science, entre outras publicações.
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