A falta de mão de obra abala cadeias de suprimentos de alimentos no mundo todo.
No Vietnã, o Exército está ajudando na colheita de arroz. No Reino Unido, agricultores jogam leite fora porque não há caminhoneiros para coletá-lo. Grãos de café robusta do Brasil levaram 120 dias para serem colhidos este ano, em vez dos 90 habituais. Nos Estados Unidos, frigoríficos buscam atrair novos funcionários com relógios da Apple, enquanto redes de fast-food aumentam os preços de hambúrgueres e burritos.
Quer se trate de catadores de frutas, trabalhadores de abatedouros, caminhoneiros, operadores de armazéns, chefs ou garçons, o ecossistema global de alimentos sente a pressão da escassez de mão de obra. Os suprimentos são atingidos, e alguns empregadores são obrigados a elevar os salários a uma taxa de dois dígitos.
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Isso pode impulsionar ainda mais os preços dos alimentos, já em alta devido aos maiores custos das commodities e do frete. Em agosto, os preços subiram 33% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com um índice compilado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
A pandemia de coronavírus foi um dos fatores para a escassez de mão de obra em muitas partes da economia. Mas o impacto é particularmente forte em alimentos e agricultura, que estão entre os setores menos automatizados do mundo. A segurança alimentar é uma questão delicada em muitos países e, com margens estreitas, os custos crescentes geralmente são repassados aos compradores, de acordo com o Boston Consulting Group.
“Quase certamente há disrupção”, disse Decker Walker, especialista em agronegócio do BCG em Chicago. Os efeitos dependem dos locais e dos produtos, disse, mas “o tema geral parece ser: funções com as condições de trabalho menos desejáveis são, na verdade, as que mais apresentam problemas”.
Há sinais de que a falta de mão de obra tem reduzido a oferta. Nos EUA, distribuidores atacadistas como Sysco e United Natural Foods dizem que há atrasos na produção e lentidão para itens como bacon, queijo, água de coco e especiarias. No Reino Unido, os estoques de alimentos básicos como pão e frango estão em baixa em alguns supermercados, enquanto o McDonald’s ficou sem milkshakes em agosto.
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A escassez atinge fazendas, processadoras e restaurantes. A Malásia, segundo maior produtor mundial de óleo de palma, perdeu cerca de 30% da produção potencial do óleo comestível. A produção de camarão no sul do Vietnã - um dos maiores exportadores do mundo - caiu de 60% a 70% em relação ao nível pré-pandemia. E 20% da produção de tomate no sul da Itália foi perdida este ano devido à onda de calor e paralisação do transporte, de acordo com a associação de agricultores CIA.
“Estou neste ramo desde os anos 80, mas nunca vi uma situação como esta”, disse Michele Ferrandino, agricultora em Foggia. “Os tomates são produtos muito perecíveis. Não havia caminhões suficientes para transportar a produção até as processadoras nos dias cruciais” da colheita, disse.
Jon DeVaney, presidente da Washington State Tree Fruit Association, reconhece que um trabalho como a colheita de frutas é exigente.
“É um trabalho físico”, disse. “Você está colhendo frutas e carregando-as para cima e para baixo em escadas, então, se sua alternativa é apertar botões em uma caixa registradora, isso pode ser mais atraente.”
Além disso, muitas vezes o dinheiro não é suficiente. Trabalhadores estão exigindo cada vez mais proteção contra o coronavírus, bem como salários mais altos, de acordo com Sunny Verghese, CEO da trading agrícola Olam International.
Em outros países, a mão de obra é apenas uma das várias dores de cabeça para o ecossistema alimentar mundial. O clima extremo do Brasil à França afetou as safras. As maiores cotações de produtos agrícolas elevaram o custo da ração de gado e, portanto, o preço da carne. Custos de transporte dispararam devido ao aumento da demanda, escassez de contêineres e portos sobrecarregados, o que foi agravado pelo fechamento parcial e temporário do Ningbo-Zhoushan, o terceiro porto de carga mais movimentado do mundo.
Nos EUA, tratores automatizados, ordenhadores robóticos e máquinas, como plantadeiras de cenoura, têm substituído o trabalho humano. Enquanto isso, agricultores do Reino Unido testam robôs para colher morangos, alface ou brócolis. As ferramentas de colheita ajudaram produtores de café robusta no Brasil a reduzirem a dependência de trabalhadores manuais para 20% do número necessário há alguns anos, de acordo com Edimilson Calegari, gerente-geral da cooperativa Cooabriel, no Espírito Santo. Embora a escassez de mão de obra no país tenha estendido a duração da colheita, disse, a tecnologia diminuiu o impacto.
Ainda assim, levará anos até que agricultores realmente adotem os robôs, de acordo com Cindy van Rijswick, analista sênior do Rabobank em Utrecht, especializada em horticultura.
“No final, os preços dos alimentos têm que subir para compensar melhor os trabalhadores e para encontrar soluções”, disse van Rijswick. “Eles custam dinheiro e precisamos estar dispostos a pagar por isso.”
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