A reforma do Imposto de Renda acabou sendo aprovada com um item que chamou pouca atenção, mas tende a apresentar um impacto importante para grandes contribuintes em disputas tributárias com a Receita Federal.
Trata-se do fim do chamado voto de qualidade do presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em caso de empate em julgamentos administrativos. O Carf é a máxima instância administrativa de litígios tributários.
A proposta original elaborada pela equipe de Paulo Guedes sobre reforma tributária não tocava no assunto, mas em agosto o relator da matéria na Câmara, Celso Sabino (PSDB-BA), apresentou um substitutivo que propôs que os casos de empate no Carf tenham decisão favorável ao contribuinte mesmo em questões processuais.
Isso foi aprovado no bojo da reforma. O deputado Danilo Cabral (PSB-PE) apresentou emenda que pretendia impedir o fim do voto de qualidade em caso de empate em julgamentos administrativos, mas ela foi rejeitada.
Agora, o texto vai ao Senado.
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Do jabuti ao STF
Não é a primeira vez que o fim do voto de qualidade do Carf foi aprovado na atual legislatura da Câmara. Durante a discussão da Medida Provisória 899, em 2020, que tratava de requisitos e as condições para que a União e os devedores ou as partes adversas realizem transação de dívida, o tema foi incluído no texto por emenda, embora não tivesse relação com o objeto da MP.
O PSB e o Sindifisco ingressaram com duas Ações de Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), questionando o fim do voto de qualidade em uma por “contrabando” em uma lei que trate de assunto diverso– é o que no jargão parlamentar em Brasília chama-se “jabuti”. A mudança está no texto da Lei 13.988, que não diz respeito ao Carf, com exceção na inclusão do trecho enxertado por emenda.
O julgamento das ADIs está suspenso por pedido de vista de Alexandre de Moraes com placar empatado em 1×1.
O relator Marco Aurélio (que se aposentou) votou pela inconstitucionalidade do fim do voto de qualidade e Luís Roberto Barroso votou favoravelmente, mas com uma ressalva importante: em caso de perda no Carf, a União também pode recorrer ao Judiciário (o que não era possível com o voto de qualidade).
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Haverá queda de arrecadação, segundo auditores da Receita
A mudança enfrenta oposição de setores da Receita Federal, que são favoráveis a uma interpretação que empates só devem favorecer contribuintes em um sentido estrito de exigência de tributos. Agora, o empate beneficia os contribuintes em casos de multas, por exemplo.
“Com o alargamento do fim do voto de qualidade no Carf, haverá perda de arrecadação para os entes federativos, vai gerar perda de arrecadação para a União, Estados e municípios”, disse o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, que representa servidores públicos da Receita.
Segundo ele, a mudança trazida agora vai afetar não somente questões tributárias – como restituições, compensações e ou direito antidumping – mas também aspectos processuais como prescrição, se houve decadência ou se determinada empresa é responsável solidária.
“Agora, a proposta aniquila o voto de qualidade para tudo. Agora, o contribuinte que teve um pedido negado, passa a ter direito a uma compensação, por exemplo, se der empate no Carf. Em casos que envolvem fraude, é muito comum a Receita Federal colocar a pessoa física como responsável solidária pelo tributo. Se houver um empate, quem fraudou pode ser beneficiado”, disse Cabral.
Advogados tributaristas defendem mudança
Para advogados tributaristas, o voto de qualidade desequilibra as disputas sempre em favor do fisco em detrimento dos contribuintes. Em um artigo em que defenderam o fim do dispositivo, os tributaristas Célio Costa e Thaís Blumer Albanezi, do escritório Machado Meyer Advogados, de São Paulo, afirmam que se trata de “justiça tributária”.
“Como se sabe, as legislações fiscais atuais decorrem de extensas regulamentações, inúmeras vezes alteradas, bastante complexas e impregnadas de imprecisões técnicas, ambiguidades e lacunas”, escreveram os advogados.
Segundo eles, o custo disso para o Estado e contribuintes é imenso: “Excesso de litigiosidade, multas altíssimas (75% e 150%), custos de garantia, aumento do aparato estatal (número de procuradores, agentes fiscais, conselheiros etc.), enorme insegurança para os investidores e empresas, aumento dos custos das empresas (infraestrutura, pessoal, advogados etc.), sucumbência (Estado e contribuinte), entre outros.”
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