São Paulo — A Tupy, uma das maiores fundições da América Latina, espera que o maior plano norte-americano de reconstrução e modernização de infraestrutura em mais de 70 anos, um dos pilares do programa econômico do presidente Joe Biden, estimule a demanda de médio prazo para os setores ligados às commodities minerais, como o aço, alumínio, cobre e o minério de ferro.
A companhia catarinense, que tem 85% de suas receitas provenientes do exterior, também aposta que os novos marcos regulatórios do saneamento e do gás natural no Brasil resultem em mais investimentos, criando um cenário favorável à retomada de grandes obras no país.
O pacote de US$ 1 trilhão de Biden, chamado de Plano de Emprego Americano, foi aprovado no dia 10 de agosto pelos senadores, a fim de incentivar os negócios, a contratação de mão-de-obra e conter a influência da China no cenário mundial. O programa prevê investimentos em infraestrutura no valor de US$ 579 bilhões. Neste ano, com a reabertura das economias após o avanço da vacinação contra a Covid-19, as commodities iniciaram um ciclo de alta de preços, elevando custos e abrindo um debate sobre o impacto de reajustes de produtos como o minério de ferro e o aço na inflação dos países.
“Esses planos de incentivo devem criar um estímulo muito grande a investimentos em renovação de infraestrutura, grandes construções, grandes obras, investimentos em energia renovável, em distribuição de energia. E tudo isso demanda commodities. Vamos ver impacto no minério de ferro, no cobre, no alumínio. Isso para nós é uma má notícia no início, porque ele é um custo importante para nós. Nós fabricamos a partir de commodities minerais, de insumos que têm uma relação de preço com o valor das commodities minerais, principalmente a sucata de aço e outros tipos de sucata, nós somos um grande reciclador. Eles sofrem esse efeito, mas adiante isso é um dado favorável, porque é um indicativo de que investimentos estão sendo realizados, e quando tem investimento, Capex global, há demanda pelos novos produtos”, diz o CEO da Tupy, Fernando de Rizzo, à Bloomberg Línea.
A disparada dos preços de matérias-primas como o minério de ferro e o aço já era prevista pelos players desde o fim do ano passado, quando os países começaram a decretar o fim das ordens de confinamento, um cenário que sofreu um revés neste ano com o surgimento da variante Delta do novo coronavírus e de novas ondas de proliferação de casos de infecções pelo patógeno mutante.
“Desde final de 2020, a Tupy falava para os investidores que sempre que vemos um crescimento expressivo do valor das commodities, é um indicador de demanda de médio prazo. Com esses planos de estímulos adicionais que estão vindo, nós deveremos ter uma demanda muito forte nos próximos anos. Nós devemos encontrar um equilíbrio nesses níveis altos. Acredito que não está distante de nos encontrarmos esses equilíbrio. Porque assim que a indústria observa essa demanda, os investimentos andam, a capacidade produtiva cresce”, afirma o executivo.
Apagão dos insumos
Ele observa que os fornecedores de matérias-primas vão acabar aumentando a capacidade de produção, a fim de garantir o cumprimento dos contratos de longo prazo, sem correr o risco de desasbatecer seus mercados, embora hoje diversos setores, como a indústria automobilística, enfrentam a escassez de insumos, principalmente de semicondutores usados em seus processos produtivos.
“Evidentemente você não consegue resolver uma demanda excessiva por minério de ferro no curto prazo. Com o tempo eles (mineradoras) vão ampliando e preparando para fornecer volumes maiores. Aí nós vamos provavelmente chegar ao equilíbrio. Todos esses planos que nós vemos nos EUA, e na Europa também, no Brasil não vai ser diferente. Você pega o marco do saneamento, o marco do gás, eles também vão estimular muitas obras no Brasil, vamos estimular uma demanda importante por commodities, materiais, por equipamentos e assim por diante”, prevê o CEO da Tupy.
A reativação dos planos de investimentos em bens de capital (Capex) deverá se estender por alguns anos em escala global, segundo a expectativa de Rizzo. “A gente está vendo esse movimento no mundo inteiro. Isso é movimento muito bom para a Tupy. A Tupy está onde tem Capex. Quando você tem investimento, nossos produtos são demandados. A gente tem uma expectativa muito favorável para os próximos anos”, revela o executivo.
Dívida e câmbio
A recente valorização da moeda brasileira, com o dólar comercial ficando abaixo de R$ 5,50, após ter se aproximado da marca dos R$ 6 nos momentos mais dramáticos da pandemia, não preocupa a Tupy, segundo o CEO. Em fevereiro deste ano, a multinacional brasileira realizou uma captação por meio de uma emissão de títulos de dívida no exterior.
“Foi uma notícia muito boa: o booking desse bond teve 11 vezes interesse pelo tamanho da emissão. Foi uma emissão de US$ 375 milhões. Dado esse interesse, nós conseguimos negociar uma taxa muito favorável, que foi de 4,5%, dado o nível de risco, foi uma taxa muito interessante. A nossa dívida está praticamente, integralmente nesse bond, que tem maturação em 2031″, afirma Rizzo.
A companhia fez recentemente uma operação de M&A. No segundo trimestre, a Tupy anunciou o fechamento do acordo de aquisição dos negócios de fundição de ferro da Teksid, contemplando as plantas localizadas no Brasil e em Portugal.
“A gente estima que no dia 1º da aquisição o nosso endividamento líquido terá 1,4x a nossa geração de Ebitda. À medida que a gente aceleramos a geração de receita e das sinergias, esse número rapidamente desce para um nível que a gente estima próximo de 1x novamente, mas isso não é o modo como a gente quer operar. A gente entende que essa empresa tem de operar em alguma coisa na casa de 1,5x a 2x. É um modo seguro de operação da companhia obviamente permite dar espaço para a companhia fazer outros projetos e trabalhe em novos projetos de crescimentos”, diz o CEO.
Em abril deste ano, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou a aquisição da Teksid pela Tupy. O negócio foi anunciado em 2019 citando-se uma valor de 210 milhões de euros.
“A Teksid é idêntica a Tupy. Enxergamos sinergias em todas as linhas da empresa. Ela gera muito valor para a Tupy. Em quatro a cinco anos, vamos dobrar a margem da Teksid, que hoje é de 5% em média. A Teksid representa 30% do crescimento da Tupy”, afirma Rizzo.
Motor de hidrogênio
Com 83 anos de fundação, a Tupy também investe no desenvolvimento de pesquisas e no fomento de futuras novas linhas de produtos. Neste ano, a companhia lançou a ShiftT, aceleradora de startups, que busca escalar oportunidades em novos segmentos e promover melhorias nos existentes, por meio da inovação e da transformação digital.
Também há a Tupy Tech, estrutura voltada ao desenvolvimento de P&D disruptivo, que firmou uma parceria com a USP (Universidade de São Paulo) para pesquisa de soluções de reciclagem de baterias íon-lítio, promovendo maiores índices de reaproveitamento de materiais e menor emissão de gases de efeito estufa no processo.
Outra parceria da companhia é a cooperação com a AVL e Westport para desenvolvimento de materiais, geometrias e técnicas de usinagem, que contribuam com a eficiência de um motor a hidrogênio de alto desempenho, iniciativa que é parte da estratégia da Tupy na jornada de descarbonização dos clientes nas próximas décadas.
“Não somos fabricantes de motores, mas meu cliente fabrica. Precisamos desenvolver materiais que permitam meu cliente utilizar esses novos combustíveis”, diz o CEO.
Na avaliação da Toro Investimentos, a empresa tem se beneficiado do atual cenário de desvalorização cambial, já que a maior parte da sua receita vem do exterior. A corretora selecionou a ação da companhia de Joinville (SC) para sua carteira recomendada deste mês de setembro.
“Observamos uma recuperação gradual no volume físico de vendas, destacando-se a boa performance de todos os segmentos da companhia. Acreditamos que a companhia continuará sua trajetória de retomada da performance ao longo dos próximos trimestres, assim como fez nos números apresentados no último trimestre. Fazendo uma análise de preço, após um desconto observado entre os meses de maio até agosto, identificamos um cenário de retomada dos preços e por isso recomendamos compra em TUPY3 no mês de setembro”, avaliou a corretora do banco Santander.