Como a ‘cultura dos brothers’ atrasa o ecossistema de inovação brasileiro

“Tech bros”: Práticas machistas perpetuam a desigualdade no universo de startups e levantam questões sobre a sustentabilidade dos negócios no longo prazo

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Preste atenção nestes números:

  • Menos de 5% das empresas de base tecnológica no Brasil são fundadas apenas por mulheres e somente 5% tem co-fundadoras na liderança.
  • Ou seja: mais de 90% das startups brasileiras são fundadas e comandadas por homens, segundo o estudo Female Founders, publicado pela rede de inovação aberta Distrito, em parceria com a aceleradora de negócios para mães B2Mamy e a Endeavor.
  • Apenas 3% dos fundos brasileiros têm mulheres entre seus fundadores ou conselhos, diz o estudo. Somente 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões investidos em startups no Brasil em 2020 foram para startups lideradas por mulheres.
  • Entre os unicórnios brasileiros, empresas com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão, existe somente uma mulher no cargo de CEO: Cristina Junqueira, CEO no Brasil do banco digital Nubank.
  • Mulheres representam apenas 37% dos postos de trabalho no setor de tecnologia, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).

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Razões que explicam o problema incluem o modus operandi do setor, conhecido no Vale do Silício como cultura de “tech bros”. O termo, que em português poderia ser traduzido como “panelinha masculina” ou uma cultura dos “brothers” ou “parças”, que traduz o conjunto de práticas que podem ser tóxicas e priorizam o avanço masculino no empreendedorismo de tecnologia.

Esta cultura também é vista no mercado financeiro e nas grandes consultorias, lugares de onde vem muitos fundadores de sucesso, aponta Itali Pedroni Collini, diretora de operações no Brasil da 500 Startups, uma das principais aceleradoras do mundo, com sede no Vale.

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“É uma dinâmica em que homens com os mesmos perfis e faixa de renda trocam ideias de negócio, compartilham informações importantes e estabelecem relacionamentos de longo prazo entre si,” pontua a economista.

A cultura de propagação de estereótipos de gênero é mais explícita no Brasil do que no Vale do Silício, onde o ecossistema já viu diversos casos de litígio por ocorrências como assédio: “Vemos muita coisa que seria considerada sexista, racista e de mau gosto no Brasil. Muitas vezes, isso ocorre de forma inconsciente, pois estes homens não são questionados por suas redes de contatos.”

Viés de mão dupla

No cenário atual, tomadores de decisão no ecossistema se blindam de possíveis riscos ao priorizar oportunidades oferecidas por outros homens. Por outro lado, a possível discriminação contribui para afastar mulheres destes espaços masculinos de poder, dizem as especialistas. Elas então acabam enfrentando mais dificuldades no acesso a mentorias, conexões e capital.

“Buscar pessoas iguais a nós é algo natural, mas a cultura de ‘brothers’ do setor, que acontece abertamente na Internet e fora dela, visa defender estas práticas, evitar questionamentos, e manter o status quo”, diz Dani Junco, CEO da B2Mamy, aceleradora focada em negócios liderados por mães.

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Esta desconexão acaba atrapalhando a avaliação de negócios liderados por mulheres: “Quando levamos uma empresa como a [sextech] Feel para falar de lubrificação pós-menopausa com investidores, é evidente que há uma grande barreira de compreensão do negócio e do mercado, resultante da falta de estudo deles sobre estas oportunidades”, observa Dani.

“Fundos querem negócios com múltiplos adequados, mas vemos fundadores conseguindo cheques muito mais altos do que nós, que temos resultados acima da média do mercado,” diz Tatiana Pimenta, fundadora da healthtech de terapia online Vittude, que tem 250 mil pessoas cobertas, cerca de 100 clientes corporativos e cresceu mais de 540% em receita bruta desde o início da pandemia.

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“Me pergunto se não estou conseguindo contar essa história, ou se há um viés inconsciente de pessoas que não querem ouvi-la, mesmo se eu apresentar os números”, questiona a empreendedora.

O que precisa mudar

Educação de base para aumentar a representatividade feminina no setor de tecnologia, além de incentivo para que elas possam se sentir mais aptas para assumirem riscos estão entre as áreas que precisam ser endereçadas, segundo as especialistas. Além disso, é preciso ter mais mulheres em cargos executivos e ações intencionais para colocar o discurso em prática.

  • “Faltam fundadoras, investidoras, executivas e conselheiras. Funções como o departamento comercial de empresas são sempre lideradas por homens e isso se repete nas startups. Enquanto não tratarmos essa cadeia, será muito difícil avançar”, diz Carolina Strobel, sócia do fundo de venture capital Redpoint eventures.
  • Investidores de fundos também precisam exigir portfolios e equipes mais diversas, ressalta Carolina: “LPs precisam, podem e devem se empenhar para fazer a sua parte na resolução deste problema.”
  • Além da quebra de paradigmas, avançar na pauta de equidade de gênero faz parte de garantir a sustentabilidade dos negócios no longo prazo e avançar na agenda de meio ambiente, social e governança (ESG), diz Ana Bavon, CEO da consultoria B4People e especialista em cultura inclusiva. “Vemos a emergência de um capitalismo de stakeholders, e a responsabilidade destas empresas com os diversos atores das cadeias que impactam, para além do lucro.”
  • O Vale do Silício tem discutido a inequidade de gênero, e o Brasil acena para algum tipo de transformação, aponta Ana. “Mas a mudança não será estrutural até que o ecossistema entenda como vai devolver para a sociedade o que estão recebendo em valor e oportunidades de crescimento para seus negócios. Esse é o give back que realmente interessa”.

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