Bloomberg Opinion — As autoridades do Federal Reserve criticam com frequência a disparidade inédita entre ricos e pobres. Mas normalmente evitam falar sobre a influência direta que a instituição teve na ampliação dessas disparidades financeiras nas últimas décadas.
Esperamos que o simpósio de Jackson Hole, nesta semana, seja um ótimo exemplo dessa realidade dupla, principalmente porque a pauta será “Política macroeconômica em uma economia heterogênea”. A meta parece boa e nobre, e não há dúvidas de que as autoridades do Fed estão abordando as desigualdades de todos os tipos na economia dos EUA. O problema é que, quanto mais a política monetária continuar ultra-frouxa, mais as famílias ricas se beneficiarão desproporcionalmente. Além disso, sem diferentes políticas fiscais de Washington, as famílias mais pobres são afetadas diretamente.
Em outras palavras, se nada mudar, o Fed aumentará a lacuna patrimonial ativamente.
Para dar um pouco de contexto, sua política de manter as taxas de juros próximas a zero e comprar trilhões de dólares em títulos suprimiu a volatilidade e turbinou os preços dos ativos, fomentando alguns dos maiores rendimentos de ações e títulos da história. Em março, os 10% mais ricos dos EUA detinham inéditos 89% de todas as ações de fundos mútuos e corporativos em circulação. Dados do Fed contrastam esse valor com 84% há 15 anos, antes que o banco central iniciasse seus programas de flexibilização quantitativa.
O papel dos bancos centrais em turbinar os rendimentos de ativos é claro, assim como os benefícios desproporcionais desses ganhos para as famílias mais ricas. Os membros do Fed argumentam que os benefícios superam substancialmente o aumento da desigualdade. A política monetária frouxa permite que as empresas se autofinanciem, invistam em novos negócios e equipamentos e contratem mais funcionários. Ela também fomenta o crescimento e a prosperidade em geral, que supostamente deveria chegar a todos os trabalhadores, independentemente da renda.
Contudo, um estudo recente aborda essa dinâmica de um jeito diferente. A pesquisa de fevereiro The Savings Glut of the Rich (A ganância dos ricos por poupanças), elaborada por Atif Mian, da Universidade de Princeton, Ludwig Straub, da Universidade de Harvard, e Amir Sufi, da Universidade de Chicago, sugere que a distribuição desigual da riqueza é mais que uma questão social; na verdade, ela está dissuadindo o investimento produtivo. Em vez disso, o estudo sugere que os ricos estão alocando mais dinheiro em fundos de dívidas, que representam uma proporção significativa dos empréstimos a governos e famílias dos EUA. Basicamente, as famílias dos EUA e de baixa renda estão ficando mais endividadas, os ricos possuem mais dinheiro em fundos de dívidas, e menos recursos são alocados para o fomento de inovação e prosperidade.
A reunião anual do Fed, realizada remotamente pelo segundo ano seguido, é o principal evento da semana, acompanhado por traders, analistas e órgãos reguladores de todo o mundo. A grande pergunta é quando o banco central vai começar a reduzir suas compras mensais de títulos no valor de US$ 120 milhões, a qual o presidente Jerome Powell provavelmente não vai responder. Mas pode ser mais interessante ver como as autoridades do Fed vão abordar o debate sobre a desigualdade, principal tema da conferência.
Steven Major, da HSBC Holdings Plc disse em nota na última semana que “investidores devem garantir que não vão prestar atenção somente ao papo do tapering. O aumento da desigualdade econômica importa para os títulos porque são um dos determinantes estruturais que contribuíram para a queda das taxas”.
Major observou que famílias mais ricas são mais propensas a investir em títulos que gastar seu dinheiro, e o crescimento desproporcional dos ativos dessas famílias foi um grande motivador da demanda pela compra de dívidas. Existe uma outra forma de analisar a mesma situação; quanto mais dinheiro os indivíduos mais ricos possuem, menos propensos são a fazê-lo circular e ajudar a turbinar a velocidade do dinheiro que é essencial para o crescimento.
Talvez os membros do Fed comecem a olhar o aumento da lacuna patrimonial como um risco mais significativo ao panorama econômico, não social ou moral. As políticas dos bancos centrais não fazem nada para diminuir os preços ao consumidor, que aumentam no ritmo mais rápido de 2008. Os membros do Fed amplamente consideraram transitórias as pressões inflacionárias. Algumas dessas dinâmicas de riqueza menos transitórias tornam mais lentos o fluxo de dinheiro e possivelmente a redução do crescimento.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.
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