Bloomberg — As anedotas nos dizem o que os dados não conseguem: pessoas vacinadas parecem se infectar com o coronavírus a uma taxa surpreendentemente alta. A frequência ainda não está clara, e também não sabemos com certeza qual a probabilidade de espalhar o vírus para outros.
Embora seja evidente que a vacinação ainda proporciona uma proteção poderosa contra o vírus, surgiram preocupações de que as pessoas vacinadas ainda possam sofrer com versões mais graves do vírus.
A escassez de estudos científicos com respostas concretas faz com que autoridades e executivos elaborem planos com base em informações fragmentadas. Embora alguns reestabeleçam a obrigatoriedade do uso de máscaras ou postergue a reabertura de escritórios, outros citam a falta de clareza para justificar não fazer mudanças. Parece uma grande bagunça.
“Precisamos de humildade para admitir o que sabemos e o que não sabemos”, disse Tom Frieden, ex-diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças e chefe da organização sem fins lucrativos Resolve to Save Lives. “Podemos dizer algumas coisas com certeza. Uma delas é que é um assunto difícil de abordar”.
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Com a ausência de informações claras sobre saúde pública, as pessoas vacinadas estão confusas quanto a forma como devem se proteger. A vulnerabilidade de vacinados é uma variável essencial, não apenas para que as autoridades de saúde pública tentem estabelecer quando as doses de reforço serão necessárias, mas também para informar sobre decisões de adiar reaberturas em meio a uma nova onda de infecções. Em menor escala, as incógnitas deixaram os amantes de música incertos sobre a segurança de frequentar um show e provocou uma nova onda de ansiedade entre os pais, que avaliam como será a volta às aulas.
Em vez de respostas, o que temos é uma série de estudos de casos que fornecem panoramas um tanto diferentes de novas infecções. As variáveis, que incluem quando as pesquisas foram realizadas, presença da cepa delta, percentual de vacinados da população e até o clima da época dificultaram a comparação de resultados e a identificação de padrões. É difícil saber quais dados devem, por fim, ser mais robustos.
“Está bem claro que temos mais infecções disruptivas agora”, disse Monica Gandhi, especialista em doenças infecciosas da Universidade da Califórnia, em São Francisco. “Todos nós conhecemos alguém que se infectou. Mas não temos bons dados clínicos”.
Um dos surtos mais conhecidos entre vacinados ocorreu na pequena cidade litorânea de Provincetown, no estado do Massachusetts, na qual milhares de pessoas vacinadas e não vacinadas se aglomeraram em boates e festas no feriado de Independência dos EUA em 4 de julho para comemorar a data – e o que parecia ser um momento decisivo da pandemia. Cerca de três quartos das 469 infecções ocorreram entre vacinados.
Autores de um estudo de caso do CDC afirmaram que isso pode significar que vacinados podem transmitir Covid-19 tanto quanto não vacinados. Mesmo assim, advertiram, quanto mais pessoas estiverem vacinadas, naturalmente elas representam uma parcela maior das infecções de Covid-19, e esse estudo não foi suficiente para estabelecer conclusões. O incidente fez com que o CDC revertesse a recém-emitida recomendação e solicitar novamente que vacinados utilizassem máscaras em algumas situações.
Ainda assim, as informações específicas desse bloco de casos podem ter piorado o surto, segundo Gandhi.
“A taxa de surtos leves e sintomáticos dessa população foi maior devido às muitas atividades em ambientes internos (incluindo atos de intimidade), a chuva na ocasião, a falta de uso do ambiente externo e a mistura de pessoas com diferentes graus de imunização”, disse por e-mail.
Um recém-publicado estudo de caso muito maior do CDC sobre as infecções no estado de Nova York constatou que o número de novas infecções aumentou de forma constante desde maio, representando quase 4% dos casos até meados de julho. Esses pesquisadores alertaram que fatores como o afrouxamento das restrições de saúde pública e o aumento da cepa delta, altamente contagiosa, devem afetar os resultados.
Outro estudo de caso do CDC realizado no estado do Colorado constatou que a taxa de novas infecções em um condado, Mesa, estava significativamente maior que no resto do estado – 7% em comparação com 5%, respectivamente. O relatório sugeriu que isso ocorreu talvez devido ao fato de que a cepa delta estava circulando de forma mais ampla, mas também observou que as idades dos pacientes de Mesa e a baixa taxa de vacinação podem ter influenciado.
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Uma pesquisa em Israel parece apoiar a ideia de que a proteção contra casos graves diminui nos meses após a vacinação e, mais recentemente, que as infecções disruptivas podem, por fim, levar a uma alta nas hospitalizações. As informações são preliminares e os casos graves de infecção disruptiva ainda são raros, mas reforçam o fato de que algumas pessoas precisarão de doses de reforço nos próximos meses.
Os estudos de caso e os dados de alguns estados dos EUA constataram, de maneira semelhante, um aumento dos casos de infecção disruptiva ao longo do tempo. Porém, com o concomitante aumento da cepa delta, é difícil afirmar se a culpa é do enfraquecimento da imunidade a qualquer tipo de infecção por coronavírus ou se as vacinas são especialmente ineficazes contra a cepa delta. Pode ser os dois, é claro. A mudança de comportamento entre vacinados também pode ser um fator, pois estes voltaram a se aglomerar, viajar e frequentar espaços internos.
Dito isso, alguns fatos já estão bem estabelecidos a esta altura. Pessoas vacinadas infectadas pelo vírus são muito menos propensas a ir para o hospital, precisar de intubação e morrer em decorrência da doença. Não há dúvidas de que as vacinas proporcionam uma proteção significativa. Mas grande parte do país – cerca de 30% dos adultos dos EUA – ainda não foi vacinada, fato que se aliou à cepa delta, altamente contagiosa, e levou o país a uma nova onda de surtos.
“O panorama é que as vacinas funcionam e que o motivo do aumento de casos nos EUA é que temos pouca adesão à vacina”, disse Frieden.
De certa forma, são esperadas infecções disruptivas de qualquer vírus. Em ensaios clínicos, nenhuma vacina contra Covid foi 100% eficaz – mesmo as melhores vacinas. Quanto mais um vírus circula, maior o risco de infecções disruptivas. Também é comum que alguns aspectos da imunidade viral desapareçam naturalmente ao longo do tempo.
Por enquanto, existem mais perguntas que respostas. As infecções disruptivas estão aumentando devido à cepa delta, à imunidade enfraquecida ou ao retorno a uma vida normal? Pessoas vacinadas são mais vulneráveis a casos graves do que pensávamos no passado? Infecções disruptivas são comuns? São incógnitas.
“Normalmente, esse é o caso em que temos de tomar decisões de saúde pública com base em dados imperfeitos”, afirmou Frieden. “Mas tem muita coisa que não sabemos”.
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