São Paulo — A Medida Provisória que libera a venda direta de etanol hidratado por produtores a postos de combustíveis, assinada nesta quarta-feira (11) pelo presidente Jair Bolsonaro, flexibiliza o modelo de comercialização do combustível no país, abrindo a possibilidade de maior concorrência no setor e de redução de preços do produto ao consumidor final.
O essencial da MP:
- O produtor ou o importador poderá vender o etanol diretamente para o posto de revenda de combustíveis. Antes, era proibido. Entre usineiros e donos de postos, existia a intermediação obrigatória das distribuidoras
- Postos “bandeirados”, que exibem a marca comercial de um distribuidor, poderão comercializar combustível de outros fornecedores, desde que o consumidor final seja informado
POR QUE ISSO É IMPORTANTE: O objetivo declarado do Ministério de Minas e Energia é que a MP incentive o aumento da concorrência com a abertura do setor e, consequentemente, se consiga reduzir os preços do combustível ao consumidor final. Os frequentes reajustes dos combustíveis têm pressionado os custos de empresas e consumidores, ameaçando as metas de inflação e levado a uma sequência de altas dos juros básicos da economia, a taxa Selic (hoje em 5,25% ao ano, após quatro elevações).
“Com a Medida Provisória, nós temos um novo modelo de comercialização de etanol hidratado no país, com a possibilidade da venda direta”, disse o secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Ferreira Coelho, durante a assinatura da MP.
MP NÃO GARANTE QUEDA NO PREÇO AO CONSUMIDOR: Antes de assinar a MP, Bolsonaro admitiu, durante discurso, que a iniciativa é insuficiente para garantir a redução dos preços ao consumidor final e voltou a cobrar dos governadores que zerem alíquotas de tributos estaduais que incidem sobre a gasolina, álcool, diesel e gás de cozinha.
“Não basta isto daqui. Isto não é garantia que vai baixar o preço nominal para cada tipo de combustível”, disse o presidente. Ele afirmou ainda que governadores fazem “lobby” no Congresso para impedir perda de receita com a arrecadação de tributos estaduais e lembrou que seu governo já zerou tributos federais (PIS/Cofins) desses produtos.
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CONTEXTO: A liberação da venda direta de etanol das usinas para os postos é encarada pelo setor muito mais como uma questão política do que técnica. Isso porque, os argumentos de ambos lados encontram justificativas econômicas que suportam cada uma das narrativas.
No Brasil, quase 94% da produção de etanol sai de usinas do Centro-Sul e 7% das usinas do Norte-Nordeste. A tendência é que o impacto da medida aumente a concorrência direta de postos com empresas distribuidoras. A percepção de benefícios e problemas trazidos pela mudança é diferente.
Em princípio, as usinas do Centro-Sul, onde se concentra a maior parte dos produtores de etanol e açúcar do país e onde estão os maiores grupos empresariais do setor, defendem que a venda direta pode derrubar os preços do biocombustível no curto prazo. Sem uma estrutura de distribuição estabelecida, as usinas da região passariam a disputar o abastecimento dos postos em Estados onde a oferta já é maior do que a demanda, caso de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais. Levar o combustível de caminhão para postos de estados mais distantes dos centros de produção ou contratar as próprias distribuidoras para fazer esse serviço poderia inviabilizar o negócio.
Já as usinas do nordeste, defendem a venda direta. As empresas da região possuem uma característica de gestão mais familiar. Lá, a oferta e a demanda do combustível é mais equilibrada e a relação entre usinas e os donos dos postos de combustíveis é mais próxima.
Por meio de nota o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo) criticou a MP e afirma que ela vai desestruturar o setor e potencialmente fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao dificultar que o comprador tenha dificuldade de saber a procedência do combustível que está comprando.
“Acreditamos que a proposta legislativa não traz benefícios em termos de preço e informação ao consumidor, mas aumenta os custos regulatórios e fiscais e cria uma desestruturação em um mercado bastante maduro e complexo”, disse a entidade, em nota.
E continuou: “No Brasil, os postos de combustíveis já têm a opção de ostentar ou não marcas comerciais de distribuidora. Os chamados postos “bandeira branca” representam cerca de 47% do mercado, o que mostra a competição entre os modelos.”
O PARADOXO DO EMPRESÁRIO: O paradoxo pode ser resumido pelo exemplo do Grupo José Pessoa. Com uma unidade em Mato Grosso do Sul e outra em Sergipe, a empresa vive ao mesmo tempo a realidade dos dois lados da moeda. “Eu costumo dizer que sou contra e a favor da liberação, tudo depende de qual chapéu estou usando”, afirma José Pessoa Bisneto de Queiróz, presidente do grupo.
O empresário explica que em Mato Grosso do Sul, a produção estadual é cinco vezes maior do que o consumo. O excesso de oferta acaba sendo enviado, por meio das distribuidoras, para estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Amazonas, Rondônia e Pará. “As distribuidoras já possuem uma infraestrutura com terminais de armazenagem e ramais ferroviários prontos para levar o etanol para regiões onde não não existe produção”, afirma.
Com o chapéu de Sergipe, no entanto, ele diz que a partir da unidade ele consegue abastecer o próprio Estado, que não é auto-suficiente, e outros, como a Bahia. “Dentro de um certo raio de viabilidade econômica, faz sentido vender diretamente para os postos”, explica.
Contudo, o empresário lembra que o mercado tende a se equilibrar, mesmo que isso traga desconfortos no curto prazo. Ele lembra que, em 1997, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso acabou com a política de cotas e preços do etanol, os valores dos combustíveis despencaram de R$ 0,41 por litro para R$ 0,13.