Jaques Wagner: o Lula de 2022 será um conciliador e buscará diálogo

“Se Lula for escolher quem não se aliou ao impeachment da Dilma, vai sobrar pouca gente para a gente se aliar”, disse o senador do PT à Bloomberg Línea

Próximo de Lula, o senador do PT da Bahia diz que o ex-presidente vai reunir forças além do campo de esquerda para disputar a eleição
10 de Agosto, 2021 | 02:03 PM

Desde que foi reabilitado eleitoralmente com a anulação das condenações na Lava Jato este ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva firmou-se como favorito nas pesquisas eleitorais para desalojar Jair Bolsonaro do Palácio do Planalto. Uma interrogação que permeia as discussões sobre a eleição de 2022 é sobre o figurino de Lula em uma nova disputa presidencial: o orador inflamado da esquerda ou o Lula do primeiro mandato, comprometido com responsabilidade fiscal.

Um dos nomes mais influentes do PT, o ex-governador da Bahia por duas vezes e senador Jaques Wagner afirma que Lula será um candidato que pregará a conciliação e o diálogo com setores mais amplos do que a tradicional base de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, essa postura atende tanto à vocação pessoal do ex-presidente quanto a um imperativo das circunstâncias.

“O problema hoje, com a postura do governo federal e do atual presidente, é inevitável entender que você terá alianças para além do seu campo, vamos dizer assim. Porque tem a questão da democracia em jogo e um parlamento que se move segundo interesses que não são os interesses maiores da nação”, afirmou Wagner em entrevista à Bloomberg Línea, por videoconferência, em seu gabinete em Brasília.

Wagner é cético quanto ao surgimento de um candidato competitivo de terceira via para quebrar a polarização: “Ele não baixa muito de 18% e 20%, porque essa é a parcela da população que se identifica com esse jeito estranho e anacrônico de ele ser”.

PUBLICIDADE

O petista preside a Comissão de Meio Ambiente do Senado e diz que o atual governo diminuiu a estatura do país nos fóruns internacionais para discutir temas como o aquecimento global e sustentabilidade. “Em qualquer mesa em que estivessem dez países negociando, o Brasil estava entre eles. Hoje a gente sequer é convidado. Hoje a gente é esquecido ou citado como mau exemplo.”

Aqui os principais trechos da entrevista:

As pesquisas mais recentes mostram cenários em que o ex-presidente Lula aparece bem à frente de Bolsonaro para o ano que vem. Qual o significado delas a mais de um ano da eleição?

Com pesquisa boa todo mundo fica alegre, mas eu mantenho a minha posição de sempre. Pesquisa quantitativa tão distante do evento, que só vai acontecer em outubro de 2022 não serve para orientar. Campanha é sandália da humildade e muita conversa. A pesquisa é boa [para o PT], mas não é definitiva. O presidente atual vem perdendo seguidores, e muitos. Mas creio que ele não baixa muito de 18% e 20%, porque essa é a parcela da população que se identifica com esse jeito estranho e anacrônico de ele ser. Tem um pedaço da sociedade, que deve achar que isso é correto, talvez até se iluda por questões religiosas e outras coisas não deveriam interferir na política.

A condição do presidente Lula é muito boa porque ele, depois de quatro julgamentos no STF inocentando-o, voltou com toda força e toda energia. Como o país está muito desarrumado, as pessoas olham para quem colocou o país arrumado, aí olham para ele e olham para o PT. Além do Lula está muito bem, o PT também aparece muito bem, como o partido mais admirado.

Há muita gente esperando pelo surgimento de um candidato de terceira via para quebrar a polarização Lula-Bolsonaro.

Primeiro, o pessoal que fala da terceira via sempre diz que “é porque a gente não quer a polarização”. Ora, com exceção da eleição de 1989, que foi a primeira eleição direta depois de um governo militar, todas as outras eleições, de 1994 para cá, foram polarizadas entre o PT e os nossos aliados de um lado e, de outro lado, o PSDB e o DEM com seus aliados. O que aconteceu em 2018, depois da criminalização da política, aliás, feita em parte pelo pessoal do PSDB porque o Aécio não engoliu a derrota, começou a questionar a urna e depois se juntou com o Eduardo Cunha para fazer pauta-bomba e destruir o governo da Dilma.

PUBLICIDADE

O que aconteceu em 2018? Depois que a política foi criminalizada, a maioria da população deu as costas para a política e elegeu uma pessoa completamente fora do padrão sobre quem prefiro nem comentar porque o mundo inteiro está vendo o lugar que o Brasil ocupa neste momento. Polarização sempre houve na eleição brasileira, o problema é que o PSDB e o DEM foram de certa maneira varridos do mapa da disputa eleitoral. São eles que reivindicam hoje a terceira via – o que eu não acredito, de jeito nenhum, e nem é porque a pesquisa está boa para o Lula e ruim para o atual presidente.

É que eu não vejo mesmo espaço, a não ser que o atual presidente vire para uma derrocada total. Não é nem terceira via, mas seria uma alternativa porque não existe eleição sem confronto de ideias. Se ele estiver no chão, aí vai chegar alguém. Não sei quem é, se o Ciro ou outra força. Mas a ideia da terceira via para quebrar polarização, eu não acredito que aconteça.

Que discurso dá para esperar do ex-presidente na campanha do ano que vem?

Se a gente tivesse em outro momento, eu poderia dizer que o núcleo central da cabeça do presidente Lula continua o mesmo: um homem da conciliação, na negociação, do diálogo e do encontro. Poderia até dizer que ele poderia endurecer um pouco por conta de algumas decepções na caminhada. Mas o problema é que hoje, com a postura do governo federal e do atual presidente, é inevitável entender que você terá alianças para além do seu campo, vamos dizer assim. Porque tem a questão da democracia em jogo e um parlamento que se move segundo interesses que não são os interesses maiores da nação. É o interesse de renovar o mandato.

O Lula está que nem pinto no lixo, com energia renovada, doido para fazer bem para o Brasil. Ele não consegue conviver com a volta do Brasil ao mapa da fome, com o triplo de pessoas na extrema pobreza e toda a nossa base industrial e tecnológica sendo detonada por um processo corrosivo.

É um Lula mais parecido com o da campanha de 2002 ou de outro momento?

Estruturalmente, ele será a mesma pessoa, um homem de abertura e de diálogo, de lutar com o foco no social e agora no ambiental, agenda ambiental chegou definitivamente com muita força para ficar. O mundo está nos olhando. Quando fui governador no período que o Lula era presidente, o Brasil era um país admirado e até invejado. Em qualquer mesa em que estivessem dez países negociando, o Brasil estava entre eles. Hoje a gente sequer é convidado. Hoje a gente é esquecido ou citado como mau exemplo, como na condução do combate à pandemia, na questão ambiental e na questão da democracia.

Ele será conciliador mesmo depois do impeachment da Dilma e do episódio da prisão?

Você tem que olhar do ponto de vista temporal. Depois que ele saiu, depois de 500 dias preso na Polícia Federal em Curitiba, era normal (...) E foi assim que aconteceu, ele é ser humano, não é um homem de aço. Ele perdeu um neto que faleceu, teve de ir escoltado para o enterro do neto, perdeu um irmão e fizeram o absurdo de impedir que ele fosse ao enterro do irmão. Evidentemente, ele sabe de muitos que deram risada tanto quando ele foi preso quanto na queda da Dilma. Quando ele saiu, sem dúvida nenhuma, ele estava precisando decantar toda essa decepção com muita gente com quem ele contribuiu, de político a empresário. Só que eu acho que ele tem muita maturidade e isso vai diluindo, quando você perde alguém ou sofre uma decepção, aos poucos vai esquecendo. Também porque se ele for escolher quem não se aliou ao impeachment da Dilma, vai sobrar pouca gente para a gente se aliar, porque aquilo foi um show de revoada. Ele tem que olhar para frente, ele não vai ficar no rancor.

Ele pode até apertar os critérios dele um pouco mais para conversar, mas ele foi a Brasília agora e visitou o Sarney, visitou outras pessoas. Dizem que papagaio velho não aprende a falar, mas ele não vai mudar na essência, talvez vá fazer alguns ajustes. Talvez ele tenha dificuldade de conversar com um ou outro, mas ele não vai erguer uma barreira para poder fazer um governo de reconstrução nacional ou de reencontro nacional. O atual presidente quer o tempo todo dividir a nação em dois lados, tipo torcida de futebol, isso não é bom para ninguém.

ENTREVISTA

Leia também


Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.