Bloomberg — O ataque implacável do presidente Jair Bolsonaro ao sistema de votação do Brasil azedou seu relacionamento com o Supremo Tribunal Federal (STF), deixando o país à beira de uma crise institucional.
O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, cancelou na quinta-feira (5) os planos de uma reunião com Bolsonaro e os chefes do congresso que pretendia acalmar as tensões crescentes entre eles. A medida veio um dia depois de o tribunal permitir uma investigação do presidente de extrema direita sobre suas alegações infundadas de fraude eleitoral.
“O presidente ofendeu e atacou repetidamente os membros deste tribunal”, disse Fux, acrescentando que o Bolsonaro continua a semear dúvidas sobre a integridade do sistema eleitoral do país. “Diante dessas circunstâncias, a Suprema Corte informa que cancelou a reunião anteriormente anunciada entre chefes de governo.”
O anúncio de Fux representa a resposta mais dura já feita pelos magistrados às alegações de Bolsonaro de que as eleições do próximo ano podem ser roubadas dele, a menos que o Congresso aprove um projeto de lei introduzindo impressões em papel de cada voto dado no país.
“É uma declaração importante e deve ser considerada até excepcional, principalmente vinda de Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, à GloboNews sexta-feira. “Este anúncio deve ser considerado uma indicação de que as coisas não estão bem.”
Pacheco acrescentou que os três poderes precisam “sentar-se à mesa para acalmar o clima”.
Os mercados estão ficando abalados por crescentes tensões políticas. A curva de swaps do país já mostra precificação de aumentos de taxas mais agressivos à frente devido a riscos políticos e fiscais, que estão aumentando a volatilidade do real. A moeda teve o pior desempenho dos mercados emergentes ontem após o comunicado de Fux, embora tenha se recuperado nesta sexta-feira.
Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de voto impresso foi rejeitada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados na noite de quinta-feira por 23-11 votos. A PEC ainda pode ir para uma votação no plenário, de acordo com o presidente da Casa Arthur Lira, mas provavelmente enfrentará forte oposição dos parlamentares.
“Sinto que o interesse da maioria do Congresso neste momento é a preservação do sistema eletrônico, e esse assunto está perto do esgotamento”, disse Pacheco.
Os ataques de Bolsonaro uniram magistrados que normalmente não concordam, segundo duas pessoas próximas aos ministros, incluindo Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles se reuniram na última sexta-feira e novamente na segunda-feira e concordaram que precisavam agir para proteger a democracia do país, acrescentaram as pessoas, pedindo anonimato.
Bolsonaro disse durante uma transmissão nas redes sociais que não foi informado por Fux que a reunião foi cancelada e centrou seus ataques no presidente do TSE. “Eu preciso concordar com Barroso porque ele é um deus do Olimpo? Ninguém pode ir contra suas decisões?”
O Brasil tem contado com um sistema de votação eletrônica por décadas, que Bolsonaro afirma ser fraudado. O presidente nunca apresentou provas de suas alegações.
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