David Vélez: “É um equívoco pensar que o Nubank é só para millenials”

Exclusivo: A Bloomberg Línea conversou com o CEO do Nubank sobre sistema bancário, novos produtos de investimentos e os clientes rejeitados por grandes bancos

David Vélez, CEO e cofundador do Nubank
Por Toni Sciarretta - Marcella McCarthy (Brasil)
05 de Agosto, 2021 | 12:00 PM

Miami — Os serviços bancários no Brasil tradicionalmente são onerosos, cheios de burocracias frustrantes e tão caros que a maioria da população não pode pagar um cartão de crédito.

Esses problemas seriam um desafio para qualquer empresário. Mesmo assim, David Vélez, CEO e cofundador do Nubank, não sabia quase nada sobre o sistema bancário brasileiro quando fundou o Nubank. Mas ele estava decidido a virar o mercado de ponta-cabeça. Colegas e amigos costumam se referir à história do Nubank como “Davi e Golias”. E Davi está ganhando terreno.

Sete anos depois, Vélez se tornou especialista em serviços bancários digitais. A empresa, que começou como fornecedora de cartão de crédito, agora evoluiu para um banco digital de serviço completo. O Nubank agora tem 40 milhões de usuários e uma avaliação de US$ 30 bilhões. Quando tudo o que Vélez tinha para mostrar era uma apresentação de slides sobre como o Nubank funcionaria, a Kaszek Ventures e à Sequoia foram as primeiras a enxergar potencial no empreendimento e injetaram US$ 2 milhões na ideia.

Hoje, o Nubank continua sendo uma empresa de capital fechado, mas existem rumores de uma IPO.

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A Bloomberg Línea conversou com Vélez sobre o open banking, a disputa com os bancos tradicionais , sobre como o P2P está mudando tudo, sobre o novo produto de investimento do Nubank. Abaixo os principais trechos:

1. Quais os principais impactos que as regras do open banking exercem sobre o setor bancário no Brasil?

O open banking concede às pessoas a liberdade de escolha. Os clientes têm acesso aos planos e produtos mais adequados ao seu perfil, pois a troca de informações entre os bancos escolhidos agilizará todo o processo de identificação do usuário. Além disso, esse processo tende a baratear os serviços prestados pelas instituições financeiras, pois os clientes têm mais liberdade de escolha e, então, não ficam reféns de um determinado banco. O open banking leva o setor a se reinventar para fortalecer a fidelização com base em um mercado ainda mais competitivo.

No Brasil, o objetivo do Banco Central com o lançamento do Open Banking é justamente este: fomentar mais concorrência e incluir milhões de brasileiros no mercado financeiro. Essa implementação gera uma mudança impactante na lógica do sistema bancário tradicional: os bancos agora devem se adaptar às necessidades dos clientes para melhor atendê-los a taxas mais competitivas; não é mais o oposto.

O Open Banking proporciona poder aos clientes, e nós apoiamos sua implementação no Brasil e em toda a América Latina.

2. Os bancos do Brasil reclamam que estão em desvantagem devido ao tratamento assimétrico que favorece fintechs e plataformas digitais como o Nubank. Você concorda?

A regulamentação local não favorece as fintechs. O Banco Central do Brasil mantém o princípio da proporcionalidade, amplamente estabelecido em diversos outros países, com o objetivo de incentivar a concorrência e reduzir as barreiras à entrada para, no final, criar condições melhores para os clientes.

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Em todo o mundo, os órgãos reguladores tomaram medidas de proporcionalidade para promover iniciativas que visam garantir condições para aumentar a concorrência no mercado. Exemplos disso são o regime de transição adotado na Austrália e a mobilização de capital empregado no Reino Unido. Alguns países, como Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura, Malásia e Emirados Árabes Unidos, possuem estruturas de licenciamento específicas para bancos digitais.

Devido a essa regulamentação, muitos desses países testemunharam um tremendo progresso na inclusão financeira e na inovação de seus setores de serviços financeiros. Essa regulamentação proporcional permitiu o surgimento de fintechs e, consequentemente, um mercado mais competitivo com uma redução nos preços e aumento no número de pessoas com acesso a serviços financeiros. Pelo contrário, uma estrutura que desconsidera as diferentes complexidades torna o sistema extremamente concentrado e caro. No Brasil, os bancos tradicionais ainda concentram mais de 80% do mercado de crédito; com redução de quatro pontos percentuais de 2017 a 2020, passando de 85,5% para 81,8%.

As fintechs não só inserem mais pessoas no sistema financeiro com a redução da burocracia e dos custos, mas também obrigam os grandes bancos a seguirem o mesmo caminho, tornando todo o setor mais inclusivo.

No Nubank, conseguimos ver o impacto social transformador que as fintechs podem ter em termos de inclusão financeira e educação. Um estudo recente aponta que 3,8 milhões de pessoas alegaram não ter acesso a nenhum produto bancário antes de abrir conta no Nubank, e mais de 23,4 milhões de clientes disseram que conseguiram economizar dinheiro com os serviços do Nubank. Quanto à educação financeira, que consideramos uma forma importante de capacitação, 36% da nossa base de clientes (de 35 milhões de pessoas na época do estudo) disseram ter maior consciência financeira depois de se tornar um cliente Nubank.

3. Quais são as barreiras à entrada de investimentos no Brasil e como o novo produto de investimento do Nubank facilita o investimento para mais pessoas?

Da população total de 221 milhões de brasileiros, apenas 3 milhões estão investindo ativamente, segundo a B3. Isso significa que apenas uma parcela muito pequena da população tem acesso a essa parte fundamental da vida e do planejamento financeiro. A principal barreira é que ainda é um mercado complexo, com produtos caros e difíceis de usar, principalmente para quem não tem conhecimento ou experiência especializada. Fazer o primeiro investimento é uma experiência frustrante e confusa, então muitos acabam por não fazê-lo. Mas aprender a investir adequadamente pode ajudar milhões de pessoas a alcançar um futuro financeiro melhor e a fazer melhor uso de seu dinheiro.

No Nubank, temos a visão de democratizar o acesso aos investimentos, da mesma forma que fazemos com os serviços financeiros. Queremos tornar os investimentos fáceis de entender e usar, com uma oferta de produtos que possa atender às necessidades dos investidores mais experientes e também dar uma oportunidade para os interessados em entrar nesse mundo ou dar um passo adiante na jornada de investimento mas que nunca se sentiram confiantes o suficiente para fazê-lo. No Nubank, nossos produtos são simples, transparentes e humanos. Essa é a experiência que queremos levar ao setor de investimentos.

4. Com o advento do Pix e do WhatsApp Pay, como os pagamentos instantâneos são uma mudança para os consumidores no Brasil? Como a inflação e a rápida flutuação das moedas atuaram no desenvolvimento dos pagamentos instantâneos?

Os pagamentos instantâneos com certeza são uma mudança para o Brasil. Poucos meses após o lançamento, o Pix se tornou uma das formas de pagamento favoritas dos brasileiros, que enfatizam sua facilidade e segurança. Mais de R$ 1 trilhão já foram movimentados no Brasil por meio do Pix em pouco mais de seis meses de operação.

O Nubank é um verdadeiro adepto do Pix e dos pagamentos instantâneos em geral devido ao grande potencial de causarem uma mudança muito positiva para o mercado financeiro. Estamos otimistas de que ele vai impulsionar a atividade bancária no país e expandir ainda mais a digitalização e a inclusão financeira dos brasileiros, algo em que focamos há anos. Os custos operacionais e de processamento de pagamentos também são mais baratos devido à sua infraestrutura mais moderna e eficiente que permite a chegada de novas empresas no setor e proporciona mais opções aos clientes na hora de realizar transações.

5. O Nubank é conhecido por oferecer acesso ao crédito em uma região onde o crédito normalmente é reservado para os ricos. Como a tecnologia permitiu a oferta de crédito a uma parcela maior da população?

O Nubank é uma empresa de tecnologia. Sabíamos desde o início que a tecnologia seria o principal facilitador para oferecer o tipo de produto e experiência que queríamos. Embora os bancos tradicionais mantenham muitos dados de seus clientes por estarem no mercado há anos, eles geralmente não têm capacidade de tomar decisões inteligentes com base nesses dados para oferecer produtos mais adequados a seus clientes. O Nubank, pelo contrário, foi construído em torno dos pilares da ciência e da tecnologia de dados.

É esse uso inteligente dos dados que nos permite oferecer a nossos clientes um acesso melhor e mais justo ao crédito. Analisamos incontáveis variáveis para oferecer linhas de crédito para aqueles que nunca tiveram um produto de crédito e que foram negligenciadas pelos bancos tradicionais. Começamos com pequenas linhas de crédito de cerca de US$ 5 para conceder aos clientes a chance de começarem a construir seu histórico de crédito. Então, com base no desempenho do cliente, somos capazes de minimizar os riscos e expandir cada vez mais esse limite.

Em uma região em que 190 milhões de pessoas ainda não têm conta bancária e dependem fortemente de dinheiro vivo e crédito informal, poder oferecer um acesso mais barato e justo ao crédito tem o potencial de mudar verdadeiramente a vida de milhões de pessoas e de nossos países como um todo. É a tecnologia que permite tudo isso.

6. O Nubank tem uma grande base de consumidores formada por jovens que atualmente estão entrando no mercado de trabalho. Que outros segmentos de consumidores você busca atrair no Nubank – pequenas empresas, classe alta etc., e quais são suas estratégias e produtos para esses outros segmentos?

Existe um equívoco de que Nubank é apenas para millennials. Nossa estratégia é ser uma plataforma de serviços digitais na qual todos, independentemente de suas necessidades, idade e renda, possam encontrar um produto que os atenda.

Quando começamos, certamente os grupos demográficos mais jovens adotaram com mais rapidez nossa proposta de valor digital e, desde então, esse tem sido um segmento essencial de nossa base de clientes. Mas nossa demografia é muito diversa. Quase 20% de nossos clientes têm mais de 46 anos de idade. A pandemia também acelerou a adoção de serviços digitais nos grupos demográficos tradicionalmente relutantes.

Da mesma forma, temos uma grande diversidade em termos de receita: 6,3 milhões de nossos clientes ganham menos de um salário mínimo e foram excluídos pelos grandes bancos no passado. O Nubank é para todos. E nos últimos 8 anos desenvolvemos um amplo portfólio com produtos para todos. Para quem não tem histórico de crédito, mas precisa de acesso ao crédito, temos um produto seguro de cartão é usado atualmente por 1 milhão de clientes. Para o segmento de clientes que desejam a “experiência de cartão premium”, mas da maneira Nubank, lançamos recentemente nosso cartão de crédito Ultravioleta. Para clientes que queriam produtos Nubank para suas pequenas empresas, lançamos nossa oferta PJ que atualmente tem mais de 700 mil clientes.

Toni Sciarretta

News director da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista com mais de 20 anos de experiência na cobertura diária de finanças, mercados e empresas abertas. Trabalhou no Valor Econômico e na Folha de S.Paulo. Foi bolsista do programa de jornalismo da Universidade de Michigan.

Marcella McCarthy

Marcella McCarthy (Brasil)

Jornalista americana/brasileira especializada em tech e startups com mestrado em jornalismo pela Medill School na Northwestern University. Cobriu America Latina, Healthtech e Miami para o TechCrunch e foi fundadora e CEO de um startup Americano na área de EdTech. Baseada em Miami.