Exclusivo: Guedes diz que oposição tem que “pegar senha e esperar a próxima eleição”

Em entrevista à Bloomberg Línea, ministro diz que é demissível se perder a confiança do presidente. Ele também falou sobre política, inflação e mercado de capitais

O ministro da Economia: “Não me foi dado um mandato. Sou demissível ad nutum”
04 de Agosto, 2021 | 10:57 AM

Apesar de uma parte dos eleitores terem votado no presidente Jair Bolsonaro pela aliança com o campo liberal na condução da economia, o ministro Paulo Guedes disse não sentir que seja dono de um mandato ou que tenha um compromisso com esse eleitorado. “Não me foi dado um mandato. Sou demissível ad nutum”, disse o ministro Paulo Guedes à Bloomberg Línea, se referindo ao termo jurídico em latim que significa revogável pela vontade de uma só das partes.

“O presidente, perdendo a confiança, eu saio.”

LEIA TAMBEM: Se Congresso aliviar dividendo, quem vai pagar mais são as empresas e trabalhadores, diz Guedes

Guedes, que afirma não gostar do diz-que-diz na política, disse que não está disposto a ceder em sua convicção liberal-democrata na condução da economia. Questionado se aceitaria trabalhar, eventualmente, com Lula ou algum outro presidente que manifestasse a intenção de dar continuidade ao seu trabalho, o ministro afirma que “todos sabem o que eu penso”.

PUBLICIDADE

“Tenho algumas crenças sobre o que é importante fazer. Eu vim dar a minha contribuição. Se você pergunta se eu gostaria de trabalhar com A ou com B, eu digo que sou um liberal-democrata; se me perguntar se gostaria de trabalhar com social-democrata … é difícil, né? Eles são diferentes, aumentam os impostos; nós queremos reduzir os impostos. Nós queremos privatizar, abrir a economia”, disse.

“Mas tem social democrata que também convergiu para essa receita mais moderna. Eu sempre defendi isso por mais de 30, 40 anos. A social-democracia foi para outro lado, mas foi aprendendo com os erros e acabaram vindo para a nossa direção. Da mesma forma, os liberais-democratas perceberam que os problemas sociais são importantes. Foi um aprendizado. Acho que essa polarização que existe hoje não ajuda muito não, pelo contrário. A gente precisa ter um pouco de tranquilidade”, completou.

A seguir os principais trechos da entrevista, concedida em seu gabinete em Brasília:

Democracia: “As instituições foram testadas”

“Sou um liberal democrata. Acredito na democracia. As instituições brasileiras foram testadas várias vezes; tivemos hiperinflação, recessões profundas, e a democracia continua. Nós votamos a cada dois anos. As vezes, um poder avança um pouco e pisa no território do outro; mas o outro reage e acaba ocorrendo uma acomodação.

Polarização política: “Pega a senha e espera a próxima eleição”

“Tem pedido de impeachment todo tempo. Mais tarde, eventualmente, se a esquerda ganhar de novo, a direita também vai ficar todo o tempo querendo derrubar, querendo impeachment. Isso descredencia o processo. O ideal é que, quando alguém ganha, você espera; entra, pega a senha, e espera a próxima eleição.”

PUBLICIDADE

“Não gosto desse atrito, mas me habituei. Sei que a democracia é barulhenta. Quem é que gosta de barulho? Melhor trabalhar em silêncio, em vez dessa barulheira infernal. A oposição tem batido implacavelmente. Eu prefiro ficar fora dessa barulheira e desses alinhamentos políticos.”

Inflação: “BC vai conter o processo com relativa simplicidade "

“Tem toda uma tese sobre por que a inflação caiu [nos últimos anos], com a entrada de asiáticos e outros povos no mercado de trabalho… Mas a inflação brasileira é diferente. Fizemos um auxílio emergencial e ao mesmo tempo os preços de commodities subiram. Os aumentos de preços começaram a ficar generalizados, e o Banco Central – que nós aprovamos a independência – está fazendo o trabalho dele agora, está começando a subir os juros. Acredito que ele tenha capacidade de conter o processo com relativa simplicidade.”

Capitalismo brasileiro: “Setor privado movimenta R$ 50 bi numa sexta-feira e o público investe R$ 8 bi no ano”

“Está acontecendo um aprofundamento da penetração do mercado financeiro. O mercado de capitais, particularmente, está com muita atividade. As vezes em dois, três quatro meses, você tem R$ 30 bilhões com IPO. Isso é quase quatro meses os orçamentos de alguns ministérios do governo. De repente, numa sexta-feira, a privatização da Cedae movimenta R$ 20 bilhões e mais os compromissos de investimentos. O setor privado movimento R$ 50 bilhões numa sexta-feira, enquanto o setor público tem previsto investir R$ 8 bilhões ao longo do ano”, disse.

Mercado de capitais: “Estamos longe de excessos ainda”

“A história das economias de mercado é por ciclos. Há períodos de juros muito altos, crescimento baixo; e há períodos em que os juros estão baixos e a economia privada se expande. Começa um ciclo de expansão… Pode haver sim alguns excessos e alguns momentos, mas acho que ainda está muito cedo para isso. Estamos agora recuperando a economia com muita força. Estamos trabalhando com capacidade de 82%, a mais alta desde a pandemia. Estamos muito longe ainda de excessos”, disse.

Inferno dos empreendedores: “Só existia dinheiro do BNDES para os campeões nacionais”

“O Brasil saiu daquele modelo antigo, que era o inferno dos empreendedores e paraíso dos rentistas. O juro era tão alto que só bastava emprestar dinheiro para o governo. Ficamos 20, 30 anos nesse modelo. Enquanto isso, só existia dinheiro de médio e longo prazo do BNDES para os ‘campeões nacionais. Agora, experimentamos uma mudança de paradigma: a penetração financeira aumentou bastante, as empresas do setor real, do setor produtivo estão conseguindo também com o impacto do juro de um dígito, com empréstimos longos sendo tomados com juro de 7%, 8%, 9%; isso nunca tinha acontecido antes no Brasil”, disse.

Leia também

Toni Sciarretta

News director da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista com mais de 20 anos de experiência na cobertura diária de finanças, mercados e empresas abertas. Trabalhou no Valor Econômico e na Folha de S.Paulo. Foi bolsista do programa de jornalismo da Universidade de Michigan.

Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.