“Moinhos estão mais preocupados com a opinião pública do que com a ciência”

Empresa que pede a liberação da importação de farinha produzida com trigo transgênico da Argentina diz que não existe nada que desabone a tecnologia do ponto de vista da segurança alimentar

Experiências do passado já fizeram com que grandes empresas de biotecnologia desistissem de desenvolver um trigo geneticamente modificado por resistência do consumidor final
03 de Agosto, 2021 | 12:47 PM

São Paulo — A Tropical Melhoramento & Genética (TMG) se mostra otimista com a liberação do trigo transgênico da Argentina para consumo no Brasil. Aliás, a solicitação junto à CTNBio é para que o cereal seja liberado para consumo humano e animal da farinha de trigo e não o plantio comercial da variedade HB4, resistente à seca e ao glufosinato.

“Os moinhos estão mais preocupados com o barulho da opinião pública do que com a ciência. Não existe nada que desabone a tecnologia do ponto de vista da segurança alimentar”, afirma Francisco Sousa, presidente da TMG, à Bloomberg Línea.

O executivo reconhece que um eventual pedido para o cultivo comercial exigiria mais tempo, um maior volume de documentos e testes. Por esse motivo, a empresa decidiu reduzir o escopo do pedido à CTNBio e se concentrar apenas na liberação ao consumo. “Se um dia o plantio comercial dessa variedade for liberado, certamente ela vai ajudar o Brasil a ampliar sua produção doméstica”, afirma.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE: O mundo conhece os alimentos transgênicos desde 1996. Existe pelo menos uma geração inteira que consumiu carne suína, frangos, carne bovina, peixe e proteínas de origem animal, em geral, que tiveram como base alimentar soja e milho transgênicos.

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Contudo, há alguns anos, produtos consumidos diretamente pelas pessoas passaram a usar os grãos como ingredientes. Biscoitos e alguns embutidos passaram a trazer em suas embalagens o selo informando que o produto utiliza soja ou milho geneticamente modificado em suas fórmulas. Até agora, nenhuma contra indicação, reação ou alergia aos produtos transgênicos foi registrada.

No caso do trigo, existe um número muito maior de produtos consumidos pelas pessoas que utiliza o grão como ingrediente. Massas, pães, biscoitos, entre outros. Além disso, a relação emocional do trigo e seus derivados com os consumidores é muito mais próxima do que a soja ou mesmo o milho. Tudo isso torna a resistência da população em geral muito maior ao trigo transgênico do que outros produtos.

Produtos à base de trigo

CONTEXTO: Pioneira na pesquisa de sementes geneticamente modificadas, a Monsanto já se aventurou no desenvolvimento de um trigo transgênico. O primeiro projeto de uma semente resistente ao glifosato foi engavetado em 2005, em meio à forte rejeição dos importadores do cereal americano, mesmo tendo sido considerado seguro pela Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora dos Estados Unidos.

A tecnologia de resistência à seca também não é algo novo. Em 2007, Monsanto e Basf anunciaram a criação de uma joint venture com orçamento de US$ 1,5 bilhão para criar versões de milho, soja, algodão e canola com maior rendimento e resistentes ao estresse hídrico. Em 2010, o projeto ganhou mais US$ 1 bilhão e passou a incluir o trigo nas pesquisas. À época, a expectativa do projeto era ter um trigo transgênico em comercialização em 2020.

Quatro anos mais tarde, a Monsanto fez uma nova investida no trigo transgênico ao comprar a WestBred em 2009. Em 2013, a empresa anunciou que estava desenvolvendo uma nova variedade de trigo

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Alexandre Inacio

Jornalista brasileiro, com mais de 20 anos de carreira, editor da Bloomberg Línea. Com passagens pela Gazeta Mercantil, Broadcast (Agência Estado) e Valor Econômico, também atuou como chefe de comunicação de multinacionais, órgãos públicos e como consultor de inteligência de mercado de commodities.