(Bloomberg Opinion) – O censo decenal da China mostra o que muitos já suspeitavam: os esforços para incentivar mais nascimentos após décadas restringindo famílias a um filho estão sendo ignorados. Não é um problema específico: na Coreia do Sul, país com taxa de fertilidade mais baixa do mundo, a população diminuiu pela primeira vez em 2020. Mesmo os Estados Unidos, país relativamente jovem, sofreu novamente uma queda na taxa de natalidade no ano passado.
Incentivar a procriação dos cidadãos é mais fácil na teoria que na prática, e existe uma abundância de abordagens – mas a maioria é malsucedida. É necessária a assistência financeira para futuros pais, tanto na forma de pagamentos únicos, creches subsidiadas, auxílio-mensalidade e até auxílio-moradia. Isso nem sempre é suficiente para garantir uma taxa de natalidade mais sustentável ao longo do tempo. Pequim e boa parte da Ásia Oriental, com seus problemas de fertilidade, podem ter de enfrentar algo menos tangível: reduzir o preço que as mulheres pagam por escolher o matrimônio e a maternidade. Isso significa incentivar a divisão de tarefas domésticas e promover igualdade de oportunidades antes e depois do casamento e da chegada dos filhos.
Encontrar mulheres que fazem essa divisão das tarefas ou que evitam esse fardo é comum na China e em outros locais.
Populações reduzidas não são problemáticas em si, como já escrevi. O problema da China e de muitos outros países, é a velocidade dessa redução. A taxa de fertilidade total da China atualmente é de 1,3 filho por mulher – chegando próximo da taxa de Singapura, de 1,1, e a aterradora taxa oficial da Coreia do Sul, de 0,8.
Políticas natalistas, principalmente as promovidas por governos populistas ou autoritários que buscam famílias tradicionais idealizadas raramente promovem os direitos e ambições das mulheres. Em países como a Hungria, Polônia e até a Rússia, onde problemas demográficos são corriqueiros, a igualdade não é um benefício. A China, ávida por evitar muitos homens solteiros por motivos políticos e demográficos, buscou estigmatizar o casamento tardio ao se referir a mulheres solteiras com carreiras – que são filhas únicas e possuem muitas oportunidades – como “as que ficaram para titia”.
Isso não é apenas uma decisão ruim, é também uma política ruim. Em vez disso, é necessário enfrentar a maldição da maternidade.
Considerando que, desde que a política do filho único começou a ser abrandada, houve apenas uma redução na taxa de natalidade, claramente humilhar as mulheres insinuando que não são desejadas quando solteiras – fenômeno que ocorre desde 2007, segundo Leta Hong Fincher, autora de Leftover Women: The Resurgence of Gender Inequality in China (Mulheres que Ficaram para Titia: o Ressurgimento da Desigualdade de Gênero na China, em tradução livre) – não funciona. Os números do censo mostram que, no ano passado, o número de crianças nascidas no país caiu para 12 milhões, patamar mais baixo desde 1961, quando a China estava saindo de uma crise humanitária devastadora que matou dezenas de milhões de pessoas de fome.
Assistência econômica claramente é vital, e as autoridades já abordaram os custos de educação e de outras naturezas. Sabe-se que pagamentos únicos tendem a causar o aumento de nascimentos, afetando ligeiramente a fertilidade em geral, mas a ampla assistência em licenças-maternidade e paternidade e políticas sociais e fiscais podem ajudar. Isso sustentou o sucesso relativo da França em comparação ao resto da Europa, que está envelhecendo.
Mas a China, o Japão, a Coreia e outros países também precisam abordar o fardo dos custos ocultos da maternidade. Na China, as mulheres frequentemente devem responder sobre os planos de casamento e filhos em entrevistas de emprego, o que insinua que há uma penalidade. A grande lacuna de patrimônio aumenta após o dia do casamento, quando as esposas não são incentivadas a colocar seus nomes em escrituras mesmo se tiverem contribuído, fazendo com que imóveis valiosos se concentrem nas mãos dos homens. Após o parto, ainda são as mães que, sobrecarregadas, lidam com o medo de falhas da sociedade e as demandas irrealistas de perfeição para com seus filhos, com todas as lições de casa, aulas particulares e preocupações subjacentes.
É um cenário sinistro nas nações que cronicamente não têm mais crianças. Homens japoneses e coreanos trabalham menos nas tarefas domésticas e com seus filhos que suas contrapartes em qualquer nação rica. A China não está muito melhor que isso. Segundo um estudo citado pelo New York Times em 2019, mulheres japonesas que trabalham mais de 49 horas por semana ainda fazem tarefas domésticas por mais 25 horas. Seus esposos trabalham, em média, menos de cinco horas em tarefas domésticas. Seul injetou bilhões na melhoria da taxa de natalidade na última década, com creches e maternais subsidiados e mais – mas com as demissões durante a pandemia, as mães ainda foram as primeiras atingidas. Não é à toa que cada vez menos mulheres escolhem esse caminho.
Isso sem considerar o estigma (e o fardo burocrático) que mães chinesas passam ao terem filhos fora do casamento.
A redução da população de Pequim sem dúvidas acarretará na remoção das restrições remanescentes a famílias, encerrando décadas de intervenção para evitar uma crise malthusiana. Mas isso não deve dar início a uma intervenção para reverter a situação. Em vez disso, é necessário melhorar as vidas das mulheres.
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