Opinión - Bloomberg

Seria possível reverter a situação climática com uma escrituração melhor? Sim!

A padronização das normas contábeis para contabilizar as emissões permitiria um monitoramento ferrenho dos compromissos de líquido zero

Apesar dos acordos e convenções para redução das emissões de carbono, ainda não existe uma medida padronizada que reflita o real cumprimento das normas
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Bloomberg Opinion — A escrituração de partidas dobradas, inventada no século XV pelo matemático Luca Bartolomeo de Pacioli, foi fundamental para o crescimento econômico desde então. Atualmente, tanto as atividades econômicas quanto o futuro do planeta exigem uma nova revolução na escrituração.

A norma contábil necessária hoje é capaz de mensurar as quantidades de gases do efeito estufa emitidos e removidos da atmosfera e a meta de atingir o equilíbrio “líquido zero” entre as duas medidas. Embora o Protocolo de Gases com Efeito de Estufa tenha pactuado uma forma de contabilizar as emissões de carbono corporativas, ainda não existe uma medida padrão para avaliar onde as empresas estão no quesito líquido zero.

Um exemplo dos problemas contábeis seria a compensação de carbono – créditos verificados equivalentes a uma tonelada de dióxido de carbono gerada de projetos como a proteção das florestas, o plantio de árvores ou a substituição de fogões a lenha por modelos a energia solar. Sugeriu-se que essas compensações contabilizassem 1/10 dos esforços necessários para atingir as emissões líquidas zero. Porém muitas perguntas seguem sem respostas. Por exemplo, com que velocidade uma floresta protegida seria deteriorada sem o projeto de compensações? O plantio de árvores seria realizado da mesma forma? Após o plantio, as árvores permaneceriam plantadas permanentemente? Uma família que tivesse um fogão a energia solar o utilizaria como a única fonte? Ou também usaria o antigo fogão a lenha?

Uma maneira de simplificar as coisas seria adquirir alvarás de emissão de carbono de sistemas governamentais de cap-and-trade­ e reservá-los para que os poluidores não possam utilizá-los para emitir CO2. Isso garantiria que os alvarás fossem equivalentes às emissões evitadas. Essa é a abordagem adotada pelo Climate Vault, iniciativa em associação com a Universidade de Chicago. Contudo, se essa fosse a única compensação de carbono permitida, muitas reduções líquidas legítimas passariam batido. Uma árvore que fosse plantada apenas para essa compensação, por exemplo, deixaria de ser plantada.

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Recentemente, a Science Based Targets (SBTi, na sigla em inglês), iniciativa mundial que ajuda empresas a reduzir suas emissões, lançou um processo para desenvolver uma definição comum e uma norma global para o que “líquido zero” significa para os negócios. “A SBTi criou um guia para estabelecer as metas climáticas corporativas, e agora estamos pleiteando para que esse guia tenha um papel parecido para as metas de líquido zero”, explicou Tim Juliane, do World Wildlife Fund, que faz parte da iniciativa.

A SBTi exige que os negócios-membro reduzam suas emissões diretas e indiretas a níveis compatíveis com os objetivos do Acordo de Paris – ou seja, em níveis que possam limitar o aquecimento global a menos de dois graus Celsius e, idealmente 1,5 grau Celsius. Para negócios com mais de 40% das emissões totais originárias das cadeias de valor, a SBTi também exige ações que abortem as emissões de suas atividades a montante e a jusante. Até o momento, cerca de 1,6 mil empresas se comprometeram a estabelecer metas de redução de emissões por meio da SBTi, incluindo 63 do grupo Fortune 500 (um número muito maior, incluindo 60% daquelas pertencentes ao Fortune 500 estabeleceram metas de emissões, mas esse valor varia em termos das emissões mensuradas, monitoradas e relatadas, bem como do cronograma de cumprimento declarado).

A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA também poderá ter um papel importante para estabelecer as exigências de divulgação de emissões para empresas. A agência já solicitou comentários sobre como a divulgação de emissões de carbono e riscos deve ser exigida de companhias públicas. Os benefícios substanciais de uma norma mundial clara de divulgação de emissões poderiam existir, de modo que os esforços corporativos públicos multinacionais fossem melhor integrados ao esforço global para atingir o líquido zero.

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Um dos perigos é que as exigências de divulgação de companhias abertas podem direcionar os investimentos a empresas privadas que não estão sujeitas às mesmas regras. Se isso acontecer, os efeitos dessas exigências sobre as emissões de gases do efeito estufa serão prejudicados.

A invenção de Luca Bartolomeo de Pacioli promoveu a atividade comercial e reduziu (mas claramente não eliminou) os erros desnecessário e as fraudes imediatas. É basicamente isso que devemos esperar das novas normas contábeis para determinar o que significa chegar ao líquido zero: uma eficácia fundamental com adesão imperfeita. Embora o significado de líquido zero não esteja claro, o terreno foi preparado para outro avanço contábil fundamental.

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