Bolsonaro usa estratégia de Trump e põe em xeque confiabilidade das eleições

Apesar de diversas rejeições, o projeto de lei que prevê o voto impresso pode prejudicar a confiança na democracia brasileira

Jair Bolsonaro prepara o terreno para contestar o resultado das eleições caso saia derrotado por meio do voto eletrônico
Por Simone Preissler Iglesias - Andrew Rosati
11 de Julho, 2021 | 08:51 PM

Bloomberg — As eleições presidenciais vão ocorrer em 15 meses, mas o presidente Jair Bolsonaro todos os dias alerta sobre fraudes e trapaças.

(Bloomberg) Com a popularidade em queda e sendo alvo de uma investigação criminal sobre a compra de vacinas, Bolsonaro adotou a estratégia do ex-presidente Donald Trump ao preparar o terreno para contestar uma eventual derrota. O presidente da extrema direita e seus aliados do Congresso estão tentando aprovar uma lei – que pode ser votada a partir desta semana – que exige que as 470 mil urnas eletrônicas do país gerem um registro físico de cada voto. Do contrário, Bolsonaro afirma que os resultados podem ser manipulados.

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As autoridades eleitorais alertam que mudar um sistema eletrônico de 21 anos que especialistas consideram preciso e eficiente pode fazer com que os cidadãos percam a confiança na própria democracia – além de criar oportunidades de fraudes reais.

“O voto eletrônico foi criado para resolver o maior problema da democracia brasileira, que sempre foi a fraude eleitoral”, afirmou em entrevista o ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior eleitoral, Luís Roberto Barroso. “Quem critica o sistema brasileiro esqueceu como era no passado ou ainda nem era nascido”.

Bolsonaro questiona o próprio sistema eleitoral antes do que provavelmente será uma corrida contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem o comprovante físico, Bolsonaro insiste que a votação será fraudada, ameaçando cancelar a eleição, evocando o histórico autoritário do país.

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“Ou fazemos eleições limpas ou não teremos eleições”, disse a apoiadores do lado de fora do Palácio do Planalto na quinta-feira.

Após a campanha de Trump, “Stop the Steal” (parem com as fraudes, em tradução livre), que disseminava alegações falsas de fraude eleitoral, outros líderes derrotados aproveitaram a deixa. O ex-Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu afirmou ter sofrido “a maior fraude eleitoral” da história de Israel após perder as eleições no mês passado No Peru, a candidata à presidência Keiko Fujimori fez campanha para descartar milhares de votos, postergando a certificação do vencedor, Pedro Castillo.

As exigências de revisão do sistema eleitoral brasileiro são frequentes nos discursos de Bolsonaro, em suas lives no Facebook e em seu perfil no Twitter. O presidente e seus aliados fizeram cerca de 200 publicações nas redes sociais com relação ao voto impresso neste ano, segundo Manoel Fernandes, diretor da Bites, empresa de análise de dados de São Paulo. As pesquisas sobre o assunto no Google aumentaram, e os memes e mensagens correm soltos nos grupos de WhatsApp.

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“As redes foram completamente bombardeadas”, afirmou Fernandes. “Os bolsonaristas conseguiram criar uma narrativa de voto impresso em um momento em que ninguém falava sobre isso”.

Influência

A narrativa é uma rede afirmações sem fundamento. Bolsonaro afirmou ter recebido votos suficientes para vencer as eleições de 2018 no primeiro turno e disse que a ex-presidente Dilma Rousseff foi derrotada em 2014 por seu oponente, Aécio Neves. No dia seguinte aos tumultos em Washington, em 6 de janeiro, Bolsonaro afirmou que “vamos ter problema pior que dos EUA” se o Brasil utilizar o voto eletrônico em 2022.

O Tribunal Eleitoral, que supervisiona e administra as eleições, solicitou que o presidente entregasse provas de suas declarações. Bolsonaro ainda não o fez. E, no domingo, entrou em atrito com membros do Suprema Corte que já sinalizaram oposição à mudança do sistema de votação.

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Uma pesquisa recente constatou que 58% dos brasileiros são favoráveis ao registro físico de votos, e 55,4% acreditam que o derrotado das próximas eleições não aceitará o resultado. Às vésperas das eleições presidenciais de 2022, o risco é que Bolsonaro continue difundindo sua retórica radical para reunir simpatizantes contra as instituições do país, declarou Carolina Botelho, cientista política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Ele vai tentar desestabilizar o ambiente político”, disse.

A votação é obrigatória no Brasil e demora poucos minutos. No dia da eleição, os eleitores comparecem às seções eleitorais, apresentam seus títulos de eleitor, assinam comprovantes e verificam a biometria antes de enviar o voto eletrônico.

As autoridades começaram a fazer a transição do voto impresso – que diziam ser facilmente manipulável e violar as leis de confidencialidade – para o eletrônico após as eleições de 1994. “O antigo sistema, as pessoas literalmente engoliam os votos para que não entrassem na contagem”, afirmou Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Contagem limpa

O Brasil começou a difundir o uso do voto eletrônico em 1996 e implementou completamente o sistema em 2000. O Tribunal Eleitoral manteve o uso nas 13 eleições municipais e gerais desde sua introdução, sem qualquer ocorrência comprovada de fraude. O sistema é capaz de contabilizar quase 150 milhões de votos em algumas horas, publicando resultados consideráveis confiáveis por autoridades locais e observadores internacionais.

Porém Bolsonaro, ex-capitão do exército e atualmente sem partido, apoiou um projeto de lei para o voto auditável, medida rejeitada pelo STF. No momento, os legisladores aliados adiantaram uma emenda constitucional na Câmara que exige o voto impresso antes das eleições do ano que vem.

A lei exige um registro físico de cada voto eletrônico. Uma folha de papel seria colocada em um cofre transparente para que os cidadãos confirmassem que o voto foi confirmado. Especialistas em eleições alertam que essas mudanças custariam centenas de milhões de dólares e exigiria uma licitação para o projeto, a produção e o fornecimento das novas urnas.

“Implementar um modelo tão diferente e revolucionário ao sistema atual nas condições que deseja o presidente antes das eleições do ano que vem seria extremamente difícil – praticamente impossível”, disse Antônio Portinho da Cunha, ex-presidente do Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Sul.

Reintroduzir o voto impresso seria um passo para trás, afirmou Portinho da Cunha, que ajudou a supervisionar a implementação das urnas eletrônicas.

“É uma inversão completa da lógica”, acrescentou. “É um sistema com muitas camadas de segurança bloqueado por outro completamente suscetível à manipulação”.

Críticas

Os líderes dos principais partidos já sinalizaram que vão rejeitar o projeto, mas o sucesso pode ser irrelevante se Bolsonaro conseguir um argumento para contestar o resultado das eleições.

Sua aprovação chegou ao ponto mais baixo neste mês – cerca de 34% – à medida que aumentam os protestos. Mais de quinhentos mil brasileiros morreram de Covid, e a Comissão Parlamentar de Inquérito investiga cada erro oficial que gerou esse resultado.

Neste mês, a investigação encontrou indicações de propina na compra de vacinas, beneficiando funcionários do Ministério da Saúde e um legislador aliado do governo. Um juiz do STF autorizou uma investigação para determinar se Bolsonaro tinha conhecimento do ocorrido. O presidente declarou não estar ciente.

Muitos temem que a campanha de contestação de Bolsonaro terá um efeito duradouro. Diego Werneck Arguelhes, professor de direito constitucional da Universidade Insper, de São Paulo, argumenta que mudar o sistema em si não é errado, mas fazê-lo tão perto das eleições arrisca prejudicar a confiança na democracia.

“É muito perigoso”, disse Arguelhes. “O que temos são as declarações de Bolsonaro de que ‘até que a mudança seja aprovada, os resultados não são confiáveis’”.

Independentemente do resultado para Bolsonaro, suas afirmações infundadas podem render-lhe um papel duradouro, disse Marco Aurélio Ruediger, diretor do Departamento de Análise de Políticas Públicas da FGV.

“Essas declarações preparam o terreno para contestar os resultados”, afirmou Ruediger. “Mesmo se não for bem-sucedido, Bolsonaro ainda terá 20%, 30% do eleitorado, o que o torna o segundo político mais poderoso do Brasil”.

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