Opinión - Bloomberg

O risco oculto por trás da ‘gamificação’ das criptomoedas

Tendência preocupante não está restrita à compra e manutenção de moedas digitais

Neste momento, pode fazer sentido tentar educar os mais jovens sobre o universo amplo da poupança, incluindo as ações
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Um aspecto tranquilizador do passeio de montanha-russa em que o bitcoin perdeu metade de seu valor em menos de dois meses é a imunidade do mundo financeiro real ao contágio das criptomoedas, que eu vejo cada vez mais como UnFunnyNotMoney (um “não dinheiro sem graça” numa tradução livre). Mas há o perigo de os especuladores, especialmente se eles forem jovens e inexperientes, terem uma reação do tipo “gato escaldado tem medo de água fria” às perdas que poderão abalar sua propensão de alocar dinheiro em poupanças de longo prazo.

A gamificação das finanças é uma tendência preocupante e não está restrita à compra e manutenção de moedas digitais. A multidão FOMO/YOLO [acrônimos em inglês para “medo de ficar de fora (de algo importante) e “só se vive uma vez”] também abraçou as ações, conforme vimos anteriormente este ano com a alta e queda (e nova alta) da GameStop Corp. e outras favoritas da Robinhood Markets Inc. que chamaram a atenção dos participantes da rede social Reddit.

Em fevereiro, o lendário investidor Charlie Munger disse que atrair investidores novatos para apostar em ações é uma “maneira suja” de lucrar com a inexperiência deles. “Isso é mais notório na dinâmica das negociações nos casos de investidores atraídos por novos tipos de operações de corretagem como a Robinhood”, afirma o vice-presidente do conselho de administração da Berkshire Hathaway Inc. “Acho toda essa atividade lamentável. Acredito que a civilização ficaria melhor sem ela.”

Os negócios com ações no varejo cresceram durante os lockdowns impostos pela pandemia, e não só nos Estados Unidos. O relatório de estabilidade financeira do Banco Central Europeu (BCE), divulgado este mês, observou que os contratos por diferença e os swaps de ações – meios populares de se fazer apostas alavancadas em ações e outros títulos – aumentaram para quase 15 trilhões de euros (US$ 18 trilhões) em março, mais que o dobro do valor do mesmo período do ano passado.

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Isso apensar de a IG Group Holdings Plc, que se autodenomina o maior provedor do mundo de contratos por diferença, afirmar em sua literatura de marketing online que 71% de seus clientes de varejo perdem dinheiro negociando o produto.

Esse número surpreendente remete a uma lição que não pode ser esquecida: negociar e investir não são a mesma coisa. Comprar e vender na esperança de ter lucro rápido é basicamente diferente de separar dinheiro para formar um pé-de-meia de longo prazo para o futuro.

Este mês a Fidelity Investments informou que está permitindo a adolescentes de até 13 anos a abertura de contas isentas de taxas, preparando o caminho para que os filhos de seus clientes que estão de saída “aprendam na prática e estimulem conversas familiares expressivas em torno de assuntos financeiros”, segundo disse a firma de Boston.

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Diante das taxas de juros ultrabaixas das contas tradicionais do mercado financeiro, faz sentido tentar educar os mais jovens sobre o universo amplo da poupança, incluindo as ações, conforme Brian Chappata, meu colega na Bloomberg Opinion argumentou há poucas semanas. Mas há o perigo de a possibilidade de mexer ostensivamente com ações sem pagar uma taxa – os spreads de preços de compra e venda apresentam um imposto sobre transações meio que opaco – vir a atrair adolescentes para os jogos de azar, em vez dos investimentos.

Além disso, os mais jovens da atual geração de investidores nos mercados de ações jamais viram o valor agregado das ações cair por mais que alguns breves períodos. Do fim de 2007 ao começo de 2009, as ações globais perderam 50% de seu valor e elas levaram seis anos para recuperar o terreno perdido. Desde então, essa tendência tem sido uma amiga benevolente. A queda de 30% vista no ano passado, quando a pandemia começou a tomar forma, mostrou ter vida curta.

A crise financeira global deixou cicatrizes profundas na psique coletiva dos investidores, que ficaram mais cautelosos com as ações. A firma de consultoria Oliver Wyman estimou em 2012 que uma combinação de perda de confiança nos serviços financeiros, mais vários dissuasores aos investimentos deixaria a próxima geração de investidores ocidentais US$ 15.000 mais pobres ao ano. Não admira que as autoridades reguladoras estejam prestando atenção aos perigos inerentes da gamificação das finanças, mesmo que isso possa significar restrições à democratização do dinheiro.

Gary Gensler, presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), em testemunho ao Congresso em 6 de maio, disse que um relatório de sua agência sobre o frenesi de negócios deste ano pelos pequenos investidores deverá estar pronto no terceiro trimestre. Um foco será a tendência entre os aplicativos financeiros de introduzir funções que tornam os negócios com ações algo parecido como jogar um videogame, o que segundo ele pode levar os usuários a comprar e vender mais frequentemente, correndo o risco de perder dinheiro com mais frequência.

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A proliferação de firmas que oferecem plataformas de negociações facilitou a abertura de contas, disse Gensler. Mas “perdemos aquele toque humano no meio dizendo, ‘será que isso é apropriado?’”, alertou ele.

As grandes oscilações que têm levado o Bitcoin a ser negociado a US$ 65.000 e depois a US$ 30.000, desde a metade de abril, deixarão os atrasados de fora. Mas aqueles que compraram há apenas um ano quase quadruplicaram seu dinheiro, mesmo depois da queda recente.

Essa volatilidade oculta a lição central de como o capitalismo em geral e os mercados de ações em particular, podem ajudar a construir riqueza para o futuro. Tratar as negociações e os investimentos como caminhos similares para a segurança financeira, promove de modo injustificável o primeiro, em detrimento do segundo.

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