Mais uma promessa duvidosa de cura da Covid

Com as reações adversas das vacinas, a busca por um medicamento que possa curar a doença pode ter chegado ao fim

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Bloomberg Opinion — Medicamentos mais eficazes para o tratamento de Covid-19 estão mais atrativos do que nunca. A esperança de que as vacinas controlariam o vírus com a imunidade de rebanho diminui à medida que a variante delta – mais transmissível – se dissemina pelo mundo, os casos aumentam e a população antivacina aproveita.

Além disso, os casos extremamente raros nos quais pessoas jovens e saudáveis adoecem e morrem devido a reações possivelmente atreladas às vacinas – coágulos, inflamações cardíacas e, mais recentemente, a doença paralisante conhecida como síndrome de Guillain-Barré – desencorajam ainda mais a vacinação voluntária.

Esses resultados raros, mas terríveis, poderiam ser mais toleráveis se relacionados a um medicamento que curasse os doentes; porém, agora que os estudos clínicos diminuíram o entusiasmo da hidroxicloroquina, exaltada no início da pandemia pelo presidente Donald Trump, alguns cientistas apontam estudos promissores de um medicamento antiparasitário chamado ivermectina. Ambos os medicamentos são atrativos pois já foram aprovados após um teste de segurança e eram utilizados no combate a outras doenças em humanos.

Além disso, na última semana, um artigo de revisão pareceu trazer boas notícias quando concluiu que a ivermectina pode prevenir doenças graves e salvar vidas.

Esse estudo está recebendo atenção tanto em mídias de inclinação liberal quanto conservadora. Um foco no tratamento da doença é mais atrativo à ética de responsabilidade pessoal adotada por conservadores, ao passo que os libertários preferem a ética coletivista de aceitar o baixo risco e desconforto relacionado às vacinas pelo bem da sociedade.

Porém, eis o problema: especialistas discordam das conclusões dos estudos clínicos com a ivermectina, e os testes em laboratório que impulsionaram os testes do medicamento sugerem que este apenas combate o vírus com eficácia em doses provavelmente tóxicas.

Assim como a hidroxicloroquina, a esperança da ivermectina se deve mais à política que à ciência.

Os tratamentos eficazes para doenças virais são ainda mais raros que vacinas eficazes, segundo o químico medicinal Derek Lowe, que trabalhou para diversas empresas farmacêuticas e escreve um blog sobre desenvolvimento de medicamentos para a revista Science, chamado In the Pipeline.

Uma cura recentemente descoberta para a hepatite C é uma rara exceção, juntamente com um coquetel de medicamentos que previnem que infecções por HIV evoluam para um quadro de AIDS. Existem medicamentos capazes de controlar – mas não curar – a herpes. E essa é a lista de medicamentos antivirais altamente eficazes de Lowe.

A maior parte dos medicamentos que matam um patógeno provavelmente são um pouco tóxicos – então é complicado encontrar mecanismos que os destruam e nos poupem. Normalmente é mais fácil matar parasitas e bactérias que vírus, afirmou Lowe, porque os patógenos maiores possuem mais partes funcionais que podem ser mais vulneráveis a transtornos químicos que as células humanas.

Por outro lado, as vacinas tendem a prevenir doenças virais com menos efeitos colaterais porque funcionam por meio do estímulo do sistema imunológico, e não pela toxicidade. E o sistema imunológico animal teve centenas de milhares de anos para desenvolver o combate a invasores.

A ivermectina foi escolhida para testes clínicos por motivos legítimos. Segundo alguns detratores, é verdade que o medicamento é usado como vermífugo para ovelhas e outros animais de fazenda. Porém também é um dos poucos medicamentos milagrosos para humanos, salvando centenas de milhares de pessoas da cegueira após a oncocercose, também conhecida como cegueira dos rios, ou da doença elefantíase, que causa inchaço nos membros. Os descobridores do medicamento ganharam um Prêmio Nobel em 2015.

Um dos coinventores, William Campbell, que na época trabalhava na Merck & Co., desenvolveu uma nova técnica para testar múltiplos compostos e encontrar os que podem matar parasitas – levando, por fim, a um sinal positivo de um composto isolado de bactérias do solo encontradas próximas a um campo de golfe no Japão.

As técnicas de testes em grande escala permitiram que os cientistas descobrissem que o medicamento também combatia o SARS-CoV-2, vírus que causa a Covid-19. Segundo Lowe, é sempre tentador começar com um medicamento que já está em uso, pois os dados de segurança já foram obtidos.

A ivermectina não mata os parasitas; ela cura doenças parasitárias ao interromper a reprodução dos parasitas. “Tratar parasitas é uma das coisas que torna a ivermectina maravilhosa, e a possibilidade de ser administrada em doses extremamente baixas, sendo muito segura e bem tolerada”, afirmou Lowe.

Esse não parece ser o caso em estudos em tubos de ensaio contra vírus, nos quais o medicamento parece funcionar apenas com uma dose alta o suficiente para desencadear um mecanismo chamado fosfolipidose – processo que Lowe comparou a matar patógenos com detergente. Isso evita que os vírus entrem nas células, mas também é extremamente tóxico para os pacientes.

Então o que poderia explicar as conclusões positivas da nova meta-análise publicada no American Journal of Therapeutics? Nos diversos estudos clínicos analisados, o medicamento foi administrado em doses baixas o suficiente para não levar pacientes a óbito. Lowe declarou estar cético porque os estudos mais sólidos e com melhor administração não constataram nada, e apenas os estudos mais fracos pareceram ter efeitos. A Merck, fabricante da ivermectina, fez uma avaliação cética de sua utilidade contra a Covid-19, semelhante à de Lowe.

Diversos estudos maiores e mais definitivos estão em andamento, então ainda há uma chance de o medicamento ser eficaz. E isso vale a pena desde que as pessoas não depositem todas as suas esperanças no medicamento.

Anedotas sobre os milagres de Covid causados pela ivermectina surgem pelo mesmo motivo pelo qual as pessoas acreditam nas curas para um resfriado comum: a maioria das pessoas melhoram por conta própria e então atribuem a cura a um medicamento. Mesmo a Covid-19 sendo muito mais perigosa, as pessoas tendem a superestimar as chances de óbito e acreditam que qualquer medicamento administrado foi o responsável pela recuperação. Mas o que realmente salvou vidas foi o sistema imunológico dos humanos – que funciona na maior parte dos casos e, com o aumento da vacinação, vai funcionar ainda melhor.

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