Se a Hertz pode renascer, por que não a Luckin Coffee?

Cafeteria chinesa pode repetir feito da locadora de veículos e renascer das cinzas após falência

Por

Bloomberg Opinion — Há um ano, a Hertz Global Holdings Inc. abriu falência – seu negócio de locação de veículos foi vítima dos lockdowns na pandemia. Atualmente, em um renascimento dramático, a empresa saiu da reestruturação, e investidores institucionais acumularam ações para controlar a empresa. A Hertz pôde pagar sua dívida integralmente e pagar os acionistas que ficaram com a empresa neste momento difícil. Sem dúvidas, foi uma das ações que viraram meme, cujos investidores fiéis adquiriram mesmo em queda livre. Os acionistas normalmente somem com falências e a reestruturações. Com a Hertz, eles foram recompensados.

A boa sorte da empresa norte-americana pode se repetir em uma marca chinesa infame e em dificuldades?

A Luckin Coffee Inc. também possui investidores fieis que não se importaram com os pedidos de falência da empresa nos EUA. Atualmente negociando no mercado de balcão, suas ações dispararam recentemente com o alto volume negociado. Os investidores levaram a capitalização de mercado a cerca de US$ 3,3 bilhões, proporcionando à cadeia de café chinesa mais valor patrimonial que a recém-listada Membership Collective Group Inc., detentora dos clubes Soho House.

Nada mau para uma empresa que, em 2020, registrou 2,2 bilhões de yuan em vendas, saiu da Nasdaq e concordou em pagar US$ 180 milhões em multas à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês). Mas o que está renovando os interesses na Luckin?

Apesar das questões jurídicas, a Luckin manteve as lojas abertas na China. Além disso, a economia começou a funcionar. Segundo o relatório de liquidantes apresentado a um tribunal nas Ilhas Cayman, – onde a Luckin foi constituída – a empresa atingiu uma lucratividade em nível de varejo pela primeira vez em agosto. O faturamento de 2020 deve ter ficado entre 3,8 bilhões e 4,2 bilhões de yuan – um crescimento anual de no mínimo 26%.

A Luckin claramente quer deixar seus problemas para trás. Em 30 de junho, a empresa apresentou os resultados financeiros consolidados de 2019 à SEC. Esses resultados não constataram a inflação de faturamento além do declarado no ano anterior. A empresa prometeu divulgar os resultados de 2020 “assim que possível” e manter um site ativo em inglês para atender investidores dos EUA. Em conjunto com o pagamento da alta multa da SEC, a Luckin parece tentar se tornar elegível para voltar aos amplos investimentos de Nova York.

Qual é a dimensão das dificuldades da Luckin? Alguns de seus mais antigos investidores permaneceram com a empresa, dispostos a se esforçar para mantê-la funcionando. Em abril, a empresa recebeu cerca de US$ 250 milhões de investimentos das empresas chinesas de private equity Centurium Capital e Joy Capital – valor suficiente para pagar a multa à SEC e primeiro desembolso de caixa para reestruturação da dívida no exterior. A Luckin afirmou já ter a aprovação do governo chinês para transferir recursos para o exterior. Em novembro do ano passado, no relatório financeiro mais recente disponível, a empresa detinha apenas US$ 32,4 milhões em dinheiro no exterior.

Em março, a Luckin reestruturou 59% de um título conversível de US$ 460 milhões em inadimplência. O título foi originalmente emitido em janeiro de 2020, quando as ações estavam em alta. A empresa promete uma taxa de recuperação de 91% a 96%, com 32% do valor nominal pago à vista e em dinheiro. A reestruturação da dívida é uma etapa essencial para ajudar a Luckin a sair da falência nos EUA, situação na qual se encontra desde fevereiro de 2021.

Assim como a Hertz nos EUA, a Luckin não perdeu seu apelo na China, apesar do escândalo da contabilidade. Segundo uma pesquisa local de preferências dos consumidores – desde sabor até ambiente e atendimento – a Luckin competia de frente com a Starbucks e estava à frente do McCafé, da McDonald’s, serviço com preço semelhante. A Starbucks, a Luckin e o McCafé são as três maiores da China em termos de número de lojas. A Luckin também não está desacelerando: a empresa estabeleceu uma meta ambiciosa de 4.800 a 6.900 lojas até 2023. Em novembro, eram 3.898 lojas.

Em outras palavras, os consumidores chineses não ligam para os acionistas da Luckin nem para seus dados financeiros trimestrais. Desde que o café seja decente e barato, os chineses vão comprar seus produtos. Isso proporciona à Luckin certo valor empresarial, pois a empresa tem batalhado para sair da proteção de falência.

As operadoras de cafeterias da China têm recebido muito venture capital. As empresas de venture capital as consideram lucrativas para jovens profissionais. A Manner Coffee, de Xangai, que vende café por preços baixos em pequenas lojas próximas de grandes prédios corporativos, tornou-se um unicórnio, atraindo investimentos de empresas como a gigante de entrega de fast food Meituan e a detentora do TikTok ByteDance. Com pouco mais de 130 lojas, a Manner Coffee já está avaliada em US$ 2,5 bilhões.

Sob esse ponto de vista, a Luckin é quase uma pechincha – talvez um motivo pelo qual seus primeiros investidores de private equity se recusaram a abandonar a empresa. A marca é valiosa.

Com a escassez de carros usados e o aumento das taxas de locação de veículos, os investidores de varejo que acreditaram na Hertz há um ano agora são visionários. O mesmo pode acontecer com a Luckin com o aumento dos preços globais do grão de café. Se a Luckin conseguir manter o preço do copo de café, a demanda continuará robusta. Não seria uma surpresa se, um dia, a Luckin solicitasse a reinserção em uma bolsa de valores de Nova York.

Existe uma diferença fundamental em comparação com a Hertz. Esta ressurgiu da falência com uma nova administração e uma nova diretoria. A Luckin provavelmente não passará por essa transformação, apesar de, no fim de maio, a Centurium Capital deter 43,5% das ações com direito a voto. A empresa é administrada por um aliado fiel do cofundador de Luckin, Charles Lu. Os possíveis novos investidores estão dispostos a olhar além do passado e aceitar uma Luckin praticamente nova? A cultura norte-americana adora uma redenção, mas a empresa chinesa ainda precisa de bastante sorte.

Leia mais em bloomberg.com